Cria e recria: intensificação da produção nos relevos acidentados de Santa Catarina e integração sustentável com a suinocultura

João Romero
Consultor Técnico Comercial dsm-firmenich
Médico-veterinário, pós-graduado em Nutrição de Bovinos

 O relevo catarinense é um verdadeiro mosaico geográfico, com planícies, serras, planaltos e depressões, sendo que as áreas de terra mais planas são destinadas à agricultura e as de maior declive ou aclive precisam ser intensificadas para o aumento da produção na área total. E a pecuária, capaz de enfrentar desafios que outras atividades não suportariam, é realizada em áreas de maior dificuldade de acesso, visando ao melhor aproveitamento da propriedade rural. 

Dentre os sistemas produtivos da pecuária, a fase de cria é a que possui maior capacidade de adaptação quando pensamos em relevos acidentados. Por isso, está muito bem distribuída nas principais regiões de declive. Mas é possível intensificar a atividade apesar desse desafio?

Para responder a essa pergunta, entra em cena umas das melhores combinações de sistemas produtivos: a união da suinocultura, que é uma atividade de destaque no estado de Santa Catarina, com a pecuária. Essa é a chave para a sustentabilidade e a intensificação em áreas desafiadoras, pois a utilização de dejetos suínos junto a sistemas de irrigação permite um aumento substancial no perfil e na qualidade do pasto, possibilitando tanto a intensificação da cria como de recria com ótimos índices e ganhos. 

Integração Sustentável
A pecuária catarinense é um exemplo na integração da suinocultura com a pecuária, sendo cenário de intensificação e superação de desafios, tornando-se uma produção sustentável. O dejeto suíno, que muitas vezes é um gargalo da atividade, passa a ser uma solução para a intensificação de áreas de pastagens. 

Localizada na cidade de Palmitos, às margens do rio Uruguai, a Fazenda Esperança é um exemplo de como essa integração pode funcionar muito bem. Ali, a gestão da família Holdefer realiza um trabalho de excelência na condução de uma área com terreno bastante acidentado, onde poucos ficariam otimistas em promover a intensificação. 

Conforme demonstrado na Tabela 1, a Fazenda Esperança segue com eficiência o propósito de ser uma propriedade com sistema intensivo, possuindo uma área total de pastagem com 80 hectares, na qual estão inseridas: 136 matrizes de cria adultas, 100 novilhas em fase de recria e, até início de março, contava com 120 bezerros prontos para o desmame. Se considerarmos o peso total de cada animal, a fazenda chega a suportar uma carga de 3,5 UA/ha no final do verão, e com sobra de alimento. 

Após o desmame, que ocorre antecipadamente devido ao melhor preço do mercado, os bezerros chegam aos seis meses de idade com peso médio de 240 kg para os machos, e 230 kg para as fêmeas. Todas as bezerras são retidas na propriedade e 66% do valor da venda dos machos é utilizado para a compra de novas bezerras.  A estratégia serve para aumentar o poder de reposição e seleção de matrizes e, também, para destinar as fêmeas à reprodução, onde serão recriadas por seis meses e, posteriormente, vendidas já prenhas, ficando de 10 a 20% para recomposição do plantel.

Tabela 1. Avaliação dos índices zootécnicos brasileiros, em comparação com um parâmetro ideal, e os índices da Fazenda Esperança.

Quando falamos em cria, todo produtor pensa inicialmente na taxa de prenhez, responsável pelo otimismo ou pessimismo de cada safra de bezerro. No entanto, quando se inicia a estação de monta, outros índices também são importantes e capazes de avaliar a eficiência da propriedade de forma mais direta, como, por exemplo, a taxa de desmame. Isso porque, além de emprenhar, é necessário que o maior número possível de animais chegue ao desmame, passando pelas taxas de natalidade e mortalidade. Além disso, o peso no momento do desmame é um importante indicador, pois mostra o potencial genético das matrizes, expressados na habilidade materna e produção de leite, refletindo o resultado da disponibilidade e qualidade do pasto junto à suplementação do bezerro. A taxa de lotação é outro índice desafiador na pecuária de cria e recria, pois o clima subtropical exige uma preparação para um inverno frio e de baixa produção forrageira.

Um dos parâmetros mais importantes para avaliarmos eficiência da atividade de cria é o kg de bezerro desmamado por fêmea exposta por ano (peso a desmama x n° bezerros / n° fêmeas expostas à reprodução). Lembrando que o índice é baseado em todos os bezerros desmamados, dividido pelo número total de fêmeas expostas à estação de monta.

A Tabela 2 mostra como o GMD do bezerro e a taxa de desmame modificam o índice. A Fazenda Esperança conseguiu, na safra 24/25, desmamar impressionantes 207 Kg de terneiro (6 meses desmame) por vaca exposta à reprodução. 

Tabela 2.
Efeito da taxa de desmame e do peso do terneiro ao desmame na produção de kg de terneiros por vaca exposta/ano e os índices da Fazenda Esperança.

Hoje, a Fazenda Esperança hoje conta com duas atividades principais: a pecuária e a suinocultura. A granja de terminação tem 1.400 suínos e todo o dejeto produzido é bombeado para a área mais alta da fazenda, onde fica uma esterqueira única e grande; a partir dela, são bombeados e irrigados 22 hectares de forma automática (80% da produção de dejeto). Uma segunda área se refere aos 15 hectares irrigados de forma tratorizada, para locais mais planos. Toda área irrigada é destinada à recria, na qual parte da pastagem é composta por Brachiaria brizantha e, outra, por Cynodon spp (estrela africana), sendo que toda a área é piqueteada para a realização de pastejo rotativo. A recria compreende novilhas de 240 kg a 430 kg, que são inseminadas com 320 kg. 

No verão, a produção de capim é tão excedente que abre espaço para produção de pré-secado, deixando uma reserva para o inverno, e, na maioria das vezes, é necessário trazer um lote de vacas para promover o corte de alguns piquetes. Toda a recria é suplementada com a linha estratégica Tortuga, cujo ajuste nutricional busca sempre encontrar o melhor equilíbrio entre a necessidade dos animais e o melhor resultado. Os minerais Tortuga promovem melhora na digestibilidade do pasto e na absorção dos minerais. Junto com a linha completa de aditivos, conseguimos o máximo de aproveitamento do pasto, o que é fundamental, dada a taxa de lotação em que a propriedade trabalha. 

As 136 vacas de cria ficam majoritariamente nos 58 hectares de pastagem de estrela africana, onde são rotacionadas em alguns piquetes. No momento de inverno severo, o estoque de pré-secado produzido no verão ajuda a manter as matrizes e, com uma pequena vedação em alguns piquetes, já é suficiente para manter uma boa massa disponível. Todas as vacas são suplementadas com Fosbovi reprodução, que garante a mineralização de excelência, e têm uma nutrição balanceada, para alcance das metas de escore corporal e índices reprodutivos adequados. 

Além disso, os bezerros são suplementados com Fosbovinho Proteico ADE através do creep feeding, o que garante ótimo desenvolvimento ruminal, estimulando os animais a consumirem forragem o quanto antes. A estratégia de desmamar os terneiros com seis meses é fundamental, pois os animais passariam a pesar 280 kg com 7 meses, o que na comercialização em R$/Kg torna o animal menos valorizado. Ainda com a estratégia, é possível aliviar a demanda nutricional das vacas por um período de 30 dias antecipadamente, entre o final do verão e o início de outono, o que permite qualquer recuperação de score corporal de forma eficiente, com boa oferta de pasto. 

A grande diferença está no pastejo sempre rotacionado. Com a ajuda das áreas fertirrigadas, é possível construir um ambiente de alta lotação, ótima produção forrageira e de boa qualidade, sendo esta uma aptidão da estrela africana principalmente em áreas de declive.     

A integração da suinocultura com a pecuária é um cenário que vem modificando e melhorando muito a perspectiva da pecuária catarinense. Pequenas e médias propriedades conseguem consorciar alta produtividade, alta lotação e ótimos ganhos de peso através da correção e utilização intensiva de áreas de pasto em regiões de morros, trazendo uma viabilidade e margem agregada para a atividade, associada ao uso sustentável do dejeto suíno.  

Concluímos, assim, que a suinocultura pode ser uma grande aliada para a pecuária do estado de Santa Catarina, já que a produção de suínos é aplicada em grande escala. E pode contribuir significativamente para o manejo da pecuária, como aplicado pela família Holdefer na Fazenda Esperança, que é inspiração para diversas propriedades, demonstrando como produzir mais independentemente dos desafios. A estrutura de gestão e trabalho familiar é a base para a união e o objetivo compartilhado. Essa combinação impulsiona o crescimento contínuo da propriedade, permitindo o alcance de metas ambiciosas e de ótimos resultados.

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