Beth Chagas: “O futuro da pecuária passa por tecnologia e suplementação”

Para Beth Chagas, a junção desses fatores, aliados à disseminação do conhecimento, levará, em breve, à mineralização de todo o rebanho brasileiro

Mylene Abud

Vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (Asbram) desde 2018, Elizabeth Chagas está sempre em movimento, seja promovendo encontros e reuniões entre os associados, estudando e se aprofundando em inovação e tecnologia, ou procurando novos parceiros para a entidade.

Nascida no Ceará em uma família formada por oito irmãos, Beth sempre foi apaixonada pelas Ciências Exatas e optou por estudar Física na Universidade Federal do Ceará, numa época em que o curso era considerado uma profissão masculina. E trilhou uma carreira de sucesso no setor de suprimentos e logísticas, com passagens por empresas como Tortuga e Rodrimar.

Há 45 anos no agro, ela cita o treinamento das equipes de vendas do setor como um dos principais desafios da associação. “Sei que as empresas treinam muito as suas equipes de venda  individualmente, mas acho que a Asbram pode ajudar com isso coletivamente. Nossos vendedores precisam saber explicar por que é preciso suplementar corretamente para ter um ganho de peso muito maior. Fazer a dieta de cada fazenda, rever com o proprietário, com o técnico. Ter um pouco mais de paciência, tomar mais tempo nessa venda. Essa venda precisa ter um pouco mais de tecnologia”, afirma.

Ela também destaca a importância das parcerias público-privadas, dentre elas o convênio firmado entre o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e a Asbram, que tem como objetivo executar atividades de capacitação, transferência e difusão de informações, conceitos, sistemas de produção e tecnologias sustentáveis para produtores e técnicos agropecuários que trabalham com bovinos de corte e de leite em todo o território nacional.

Aborda a luta da entidade em prol da isenção do PIS/Cofins sobre produtos de nutrição animal para bovinos e fala do otimismo com relação à mineralização do rebanho nacional. Leia a entrevista completa, na entrevista que você confere a seguir.

Noticiário Tortuga – Segundo dados divulgados pela Asbram, em 2024 a suplementação mineral cresceu 6,74% frente a 2023 e as empresas comercializaram 2.577.619 t. E já iniciaram 2025 com 179.328 t. vendidas, 6,86% a mais do que em janeiro/24. O que podemos esperar para o mercado de suplementos minerais neste ano?
Beth Chagas – Desde 2024, olhando para o ciclo pecuário, a gente vê um cenário de dois anos muito bons pela frente. Mesmo que algumas coisas possam vir a atrapalhar um pouco, que a gente vai crescer em 2025, que 2026 será um ano bom, pela análise matemática, é ponto pacífico! Agora, tem o problema do dólar caríssimo, das guerras.  Todo o agronegócio brasileiro é feito em cima de dólar, mas eu não antevejo problemas muito graves nas nossas matérias-primas importadas, como ureia, fosfato de cálcio. Acho que pode ter algum reajuste, mas pequeno. Mas eu, particularmente, não acredito que isso aconteça e precisaria de dados maiores para me convencer de que o ano vai ter problemas com os preços de matérias-primas.

Noticiário Tortuga – Quais os principais desafios atuais do setor? Colocar o suplemento corretamente no cocho é um deles?
Beth Chagas – Bom, a gente tem desafios homéricos. O primeiro grande desafio é entender e ser capaz de traduzir em algo palatável, em algo fácil, o nosso cliente, o nosso pecuarista. Porque você tem hoje vários tipos de pecuaristas. De um modo geral, a gente sabe que há uma subdosagem de alimentação ao nosso rebanho. Então, como fazer esse pecuarista entender que ele precisa ganhar dinheiro? E que, para ganhar dinheiro, ele precisa ganhar tempo? E que ganhar tempo é suplementar com a dose correta de mineral e pasto? Aí ele vai ter que mexer no pasto, botar a mão no bolso, e nem todo mundo tem condição. Por isso, eu acho que a tecnologia é a salvação desse produtor para o futuro, para diminuir o tempo de uso da terra, reduzir o metano, o uso de água. Então eu diria para você o seguinte: nosso grande desafio é treinar as nossas equipes de venda.

Noticiário Tortuga – Nesse sentido, quais as principais ações da Asbram?
Beth Chagas –  A Asbram tem promovido diversos treinamentos. Temos curso com o Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA), fizemos um com o José Luiz Tejon. Acho que a gente tem que continuar fazendo isso e, daqui para frente, ter também algo mais técnico. Para que as pessoas possam explicar o porquê de usar suplemento, que precisa da pastagem, gestão de matéria seca, fazer acompanhamento, voltado a cerca de 14.000 pessoas que a gente estima trabalharem em campo. Sei que as empresas treinam muito as suas equipes de venda  individualmente, fazem convenções e tudo mais. Mas acho que a Asbram pode ajudar com isso coletivamente. Temos disponíveis, no nosso site, guias técnicos que são muito procurados, baixados. Acho que esses livros podem servir de base para que os nossos vendedores estudem neles. Eu me surpreendi muito com a alta tecnificação dos nossos guias, são muito interessantes. Nossos vendedores precisam saber explicar por que é preciso suplementar corretamente para ter um ganho de peso muito maior. Fazer a dieta de cada fazenda, rever com o proprietário, com o técnico. Ter um pouco mais de paciência, tomar mais tempo nessa venda. Essa venda precisa ter um pouco mais de tecnologia.

Noticiário Tortuga – Segundo estudo encomendado pela Asbram em 2023, a isenção do PIS/Cofins sobre produtos de nutrição animal para bovinos  aumentaria gradualmente o PIB do país em quase 1% até 2030. Como estão essas negociações?
Beth Chagas – Aí nós temos um outro desafio pela frente, que eu acho que a Reforma Tributária deve fechar esse gap, que é o PIS/Cofins. Hoje, as cooperativas não pagam, o que eu considero correto, o sistema cooperativado é muito respeitado no mundo inteiro. Mas eu acho que o Governo está sendo cego ao não estender essa exoneração de impostos da alimentação animal. A gente tem um agronegócio extremamente produtivo, extremamente fértil, produzindo riqueza, 27% do PIB. Por que a carne bovina paga PIS/Cofins nas suas matérias-primas? No milho, na soja, no farelo de soja ou em qualquer coisa, tem que pagar PIS/Cofins. E em defensivos, que é um negócio muito mais complexo, não paga. Quando eu estou trabalhando com NPK – nitrogênio, fósforo e potássio – eu também não pago. Então, se os fertilizantes não pagam, os defensivos não pagam, a carne de porco não paga, a carne de frango não paga, por que nós temos que pagar esse imposto? Tem um erro muito grande aí nessa cobrança, mas o Governo não quis reconhecer até hoje. Isso para mim é muito triste. E, de vez em quando, até um pouco difícil de compreender.

Noticiário Tortuga – O país tem cerca de 234 milhões de cabeças de gado e, dessas, apenas cerca de 100 milhões são suplementadas corretamente, de acordo com o IBGE. O que falta para mineralizar todo o rebanho brasileiro?
Beth Chagas – Eu acredito que isso vá acontecer nos próximos cinco anos. Vemos muito produtor de proteína vegetal vindo fazer Integração Lavoura-Pecuária. E o que ele pensa? Puxa vida, eu estou plantando milho, soja, algodão… por que não criar vaca? Ele está vendo as facilidades que tem perto dele para ter subprodutos que são mais baratos. É o progresso e nós já começamos a fazer isso, né? Nós já temos tecnologia, temos muita coisa à disposição desse pecuarista que tem conhecimento e que quer fazer uma pecuária moderna. A junção de tudo isso e as novas matérias-primas que todo mundo está tendo que estudar, rever os conceitos, isso vai nos levar automaticamente para uma melhor mineralização. Acho que, em cinco anos, o rebanho brasileiro vai estar todo, ou praticamente todo, mineralizado.

Noticiário Tortuga – A suplementação correta contribui para a sustentabilidade da pecuária de corte e de leite?
Beth Chagas – A sustentabilidade vem junto com uma pecuária moderna feita com tecnologia, porque o gado vai emitir menos metano, beber menos água,  comer menos forragem, vai precisar de menos adubação a esse pasto. Fora as novas soluções desenvolvidas, como o Bovaer®, da dsm-firmenich. Acho que o setor está consciente disso. Estamos tomando as providências, estudando produtos novos. A Embrapa já está trabalhando com nanotecnologia, temos a inteligência artificial e um monte de coisas que vão nos ajudar. No  mundo que está vindo por aí você faz 10 anos e um ano com o uso da tecnologia. Mas precisa ter essa vocação e cumprir essa vocação. E o produtor de suplementos que não se adaptar aos novos tempos, vai perder a empresa para a mão de alguém que use tecnologia.

Noticiário Tortuga – Nessa época de eventos extremos climáticos, a suplementação se torna cada vez mais imprescindível?
Beth Chagas – O tempo é comum para todos, e todas as regiões do mundo onde há produção estão sofrendo de uma certa maneira. Mas eu vou tomar como exemplo o Rio Grande do Sul. Foi uma catástrofe. Mas parece que existe a mão de Deus, porque muita gente já está plantando, já ganhou alguma coisa com safras e com a safrinha. Então, a gente vai ter que aprender a conviver com os efeitos climáticos. Acredita-se que as civilizações maia e asteca acabaram por causa do problema climático. Mas hoje o homem tem muita inteligência para fazer bitcoin, carro elétrico, tecnologia para transformar o álcool feito a partir da cana de açúcar com alta octanagem para ser usado em avião. Então, eu penso que vamos encontrar soluções muito mais rápido do que imaginamos. O difícil vai ser fazer essa migração do pequeno produtor rural, do pequeno pecuarista, para o grande pecuarista. Isso a gente viu acontecer nos anos 1970, 1980, com a agricultura. A gente comprava carne da Rússia, teve aquele negócio problema de Chernobyl. Comprava feijão do México, arroz agulhinha da Tailândia, leite dos Estados Unidos e da Argentina. Nós andamos demais, demos uma volta no mundo umas três ou quatro vezes. Fizemos nos últimos 20, 30, 40 anos o que não fizemos em quatro séculos. Hoje, a capacidade, o conhecimento existe, e a vontade de integrar esse conhecimento com quem ainda não sabe também é muito grande. Acho que isso vai nos levar a uma pecuária de transição muito melhor do que a que temos hoje.

Noticiário Tortuga –  No âmbito da sustentabilidade, fale um pouco sobre a importante parceria da Asbram com o MAPA, que tem como base o Plano ABC+.
Beth Chagas – Acho fundamental essa parceria que temos com o MAPA, que temos com a Embrapa também. Acho que a gente tem que estar sempre muito perto dos centros, do pessoal que estuda tecnologia,  junto com as universidades, das companhias que estão aqui conosco. Nós temos 95 empresas de grande, médio e pequeno porte entre as nossas associadas. A gente procura estar muito perto, ouvir o que elas têm a dizer. Estamos abertos para qualquer um dos nossos associados que queira interagir conosco, e estamos conversando com frigoríficos também. Aqui a gente fala em tecnologia dia e noite, e isso vai nos levar a algum lugar. E essas parcerias público-privadas representam um grande ganho para todas as partes. Temos com o MAPA, estamos tentando com a Secretaria de Agricultura de São Paulo, a gente participa de tudo ao máximo e somos uma associação relativamente pequena e ainda nova. Eu digo que o maior ativo da Asbram é a gente se dar muito bem com os nossos parceiros associados. Nós estamos dentro do mesmo barco. Temos um mercado gigante para conquistar e só vamos conquistar esse mercado fazendo parceria público-privada, aprendendo mais sobre tecnologia e sabendo fazer conta. Ajudando esse nosso pecuarista, esse nosso cliente, a andar 10 décadas em um ano. É isso que nós temos que fazer daqui para frente.

Noticiário Tortuga –  Em março, comemoramos o Dia das Mulheres e, por toda a sua experiência em mais de 45 anos no agro, como incentivar a presença feminina no setor, principalmente em  cargos de liderança?
Beth Chagas – Hoje, eu acho que a situação já está muito melhor e eu fico feliz quando vejo a sala da Asbram com 15, 20 mulheres. Eu acho que a gente tem as mesmas capacidades, apenas com visões diferentes. Então, você junta essa acuidade da mulher, essa habilidade de ver pequenos detalhes, com a visão rápida do homem, a aptidão de enxergar grandes coisas. Você junta almas femininas e almas masculinas. Eu sou totalmente a favor dessa diversidade e acho que essa visão me fez chegar até aqui, muito feliz e muito de bem com a vida. Tem um negócio chamado vocação e é preciso vocação até para a felicidade. Ser feliz é algo que você tem que escolher. Se você tiver empatia pelas pessoas e apreciação pelo que você sabe fazer, e começar a trabalhar para você e para o próximo, vai se sentir muito complementada. E isso vai se tornar um hábito. Você tem que ter um compromisso com a felicidade. Quando você faz esse compromisso, é difícil a ‘bichinha’ ir embora, porque você vai começar a encontrar mil modos de ser feliz. Eu sou uma pessoa muito comprometida com o outro, tenho bastante empatia pelo outro e faço isso naturalmente. E vou te dizer uma coisa: eu não poderia trabalhar em algo mais construtivo e mais bonito do que produzir alimento para a gente poder abastecer os brasileiros!

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