Uma luz no fim do túnel

A proximidade do final do ciclo de baixa da pecuária é uma excelente notícia para os produtores. Mas como se preparar agora para surfar na maré alta?

Mylene Abud e Riba Velasco

Segundo o IBGE, os primeiros resultados da produção animal no quarto trimestre de 2023 apontam que, ante o mesmo período de 2022, o abate de bovinos aumentou 19,9%. E na comparação com o terceiro trimestre de 2023, aumentou 1,3%. Ou seja, após momentos tempestuosos, a calmaria parece surgir no horizonte da pecuária, com o ciclo de baixa se aproximando do final.

Para 2024, a previsão de boa parte dos especialistas é que os preços do boi gordo ainda flutuem entre a estabilidade e a alta. E que o sol comece a brilhar de fato a partir de 2025.

E os sinais dessa mudança positiva já podem ser observados. O consultor e editor da Carta Pecuária, Rogerio Goulart, lembra que o ciclo pecuário é composto por três elementos básicos: o boi gordo, a vaca e o bezerro. “Se eu pegar, por exemplo, o bezerro, ele já parou de cair desde setembro do ano passado. E a gente costuma falar que quando o bezerro para de cair, ele já está subindo. Essa é a primeira pista de que tem alguma mudança no ar”, explica.

A segunda pista, prossegue, é o diferencial de preço entre a vaca e o boi. “Hoje, a diferença já é menor do que estava no mês passado. Isso indica que a oferta relativa de vaca para o mercado está reduzindo”, observa.

“A terceira pista é que, mesmo com uma oferta tão grande de vacas como aconteceu nesse primeiro trimestre, o preço do boi não caiu. Por incrível que pareça, o preço do boi no Brasil, na média, ficou estável desde outubro do ano passado. Por que isso está acontecendo? Já é a sinalização da virada do ciclo”, informa.

E essa é uma excelente notícia para um mercado tão dinâmico, em que os produtores precisam tomar decisões rapidamente. Mas como os pecuaristas podem se preparar agora para aproveitar a maré alta que virá?

“Esse é o momento para o produtor investir, se organizar em termos de estoque de animal, definir em que áreas da fazenda vai produzir silagem para o confinamento, grãos, ou fazer o pasto para 2025. Ou seja, essa engrenagem alimentos-sanidade-animal de reposição tem que estar bem azeitada para que ele consiga colher os frutos desse preparo e da alta que a gente prevê para o ano que vem”, fala Tiago Sabella Acedo, Gerente de Marketing Ruminantes Latam da dsm-firmenich.

Ele acrescenta que o pecuarista deve aproveitar o final da janela de oportunidades para, por exemplo, a aquisição de boi magro. “É aquela máxima, a gente compra na baixa para tentar vender na alta. E, agora, é hora de realmente investir”, salienta.

A opinião é compartilhada por João Yamaguchi, Gerente de Marketing de Bovinos de Corte Pasto da companhia. “Se pensarmos no pecuarista invernista, ele precisa decidir o melhor momento para comprar os animais e, também, os insumos para suplementar e/ou confinar o rebanho”,analisa. Segundo ele, essas são algumas medidas que ajudam o produtor a se resguardar. “Com esse dinamismo do mercado, muitas vezes a gente não acerta o ‘olho da mosca’, mas é importante chegar perto”, ressalta.

Túlio Ramalho, Diretor da unidade operativa de Ruminantes Brasil, Paraguai e Uruguai, adverte que, apesar das boas perspectivas, 2024 ainda será complexo. “Teremos desafios de clima, de preço, há algumas indefinições no cenário. Mas tudo leva a crer que, mais para o fim do ano, haverá um momento de recuperação no mercado de preços do boi gordo, de valorização dos bezerros. A gente já vê algumas categorias sendo valorizadas. No próprio mercado de leite, apesar de estarmos bem aquém do primeiro semestre de 2023, já há preços melhores do que no último trimestre de 2023. Ou seja, há um avanço em relação ao final do ano passado”, analisa.

Uma boa notícia, acrescenta, é a menor volatilidade constatada. “Este ano, o mercado está mais estável, mais equilibrado, você tem uma visão de médio prazo, e isso é muito importante para as decisões de investimento do produtor”, destaca.

Com os dados na ponta do lápis

Para ajudar nas tomadas de decisão da fazenda, uma gestão eficiente e o controle das despesas é outro fator essencial apontado por João Yamaguchi. “Dentro da porteira, temos que fazer o nosso papel. Bom manejo dos pastos, sanidade correta, nutrição adequada para cada época do ano, saber quanto custa produzir uma arroba, quanto está saindo o preço do meu bezerro. Depois disso, eu parto da porteira para fora comercializando esse meu animal. Aí eu vou brigar com o mercado, mas, primeiramente, temos que fazer a lição de casa”, ensina.

Rogério Goulart também defende esse ponto de vista. Para ele, o pecuarista que não conhece os seus custos de produção, precisa fazer isso imediatamente. E precificar o seu produto. “Tudo gira em torno da comercialização. Quando você vai abater os animais? Qual o custo desses bois por arroba? Uma coisa é vender para o frigorífico, outra coisa completamente diferente é você garantir o seu negócio”, explica.

Nesse mar revolto, ele fala que é preciso navegar o mercado do jeito que ele está, e não como gostaria de fazer. “É mais fácil acertar na Mega-Sena do que saber preço de boi. No início do Plano Real, a arroba valia R$ 20 e, dez por cento de alta sobre isso, eram R$ 2. Então, ela subia de R$10 para R$ 12. Hoje, dez por cento é quanto? De R$20 a R$25. E R$ 20 é algo que faz diferença entre lucro e prejuízo no negócio atualmente. O mercado está completamente desregulado”, afirma.

Mas, segundo ele, esse mecanismo faz parte do jogo em um mercado de ciclo longo. “Posso contar um segredo? Isso não vai mudar. Você está pensando ‘como eu gostaria que a arroba do boi tivesse o mesmo preço o ano inteiro, assim eu não teria que me preocupar com o mercado.’  Você está com a boiada para ser vendida daqui a 15 dias, 20 dias, não pode deixar seu negócio à mercê do mercado. Tem que saber seus custos. Eu não vou deixar o meu gado à mercê do que o outro vai me pagar. Eu vou botar o preço nele. E qual é o único preço que você consegue colocar? O seu custo”, orienta.

Marcelo Benitez, Gerente Nacional de Cooperativa e Revenda da dsm-firmenich, observa que o processo de melhoria precisa ser contínuo. “A atividade pecuária é cíclica, então, se o produtor não for cada vez mais eficiente no uso de todos os recursos que ele tem na propriedade, lá na frente o resultado vai ser pior. Em momentos bons, é natural que se ganhe mais e, em momentos ruins, é preciso ter maior cuidado com todo o processo dentro da propriedade. Mas ele não pode parar de investir, parar de cuidar dos processos internos, porque é onde ele consegue mexer. Aquilo que é externo, a gente tem que seguir da melhor forma possível e atender o mercado”, comenta.

Além das ferramentas de gestão e das tecnologias de suplementação, como as disponibilizadas pela dsm-firmenich, Tiago Acedo destaca os mecanismos de proteção existentes, como as ferramentas de travas. “É uma forma de se proteger das oscilações dos preços”, reforça.

“Imagine que eu tenho um gado para ser abatido manhã lá na fazenda. Vendi a boiada por cerca de R$ 222 a arroba e ela me custa R$ 191 de produção. Esses R$ 191 eu já travei faz tempo via mercado, B3, que é a Bolsa de Valores. É lá que a gente faz a nossa mágica de travar as coisas”, corrobora Rogério Goulart.

Intensificando a terminação

Diante desse cenário, quais as expectativas para o confinamento? Será que o momento é propício para pensar em fechar os animais? De acordo com Hugo Cunha, a fase é de céu estrelado para os pecuaristas que optarem por esse sistema.

“O confinamento vive um grande momento, porque o confinador tem seu maior impacto ou no boi magro ou na compra do bezerro para ele fazer recria. Nessa fase do ciclo pecuário, esse custo está beneficiando totalmente a atividade e os confinadores estão no azul. As margens são boas, o custo de alimentação está estável e não tivemos grandes oscilações no preço do milho, que é o principal componente da dieta. A soja, inclusive, está tendo queda de preço. Então, é um cenário perfeito de alinhamento de planetas para o confinador”, manifesta.

Tiago Acedo fala sobre a oportunidade para os confinadores se prepararem. “Dentro de um ciclo de confinamento, o animal representa de 60% a 70% do investimento. É ele que determina o sucesso ou o fracasso do giro. Por isso, é importante que o pecuarista esteja preparado, e o momento é agora!”, argumenta, esclarecendo que cada um deve investir de acordo com a sua faixa de potência. “Nas menores operações, ele vai dar o passo do tamanho da sua perna. É importante que em cada situação, em cada realidade, seja avaliada a maneira de aproveitar esse momento de virada. O que não pode é deixar de se preparar ou não ter um plano bem claro. Ficar parado é a pior coisa que pode ser feita”, assegura.

“O confinamento já puxa automaticamente a recria. Este, talvez, tenha sido o mercado que mais cresceu nos últimos anos. O confinamento já é consolidado, tem bastante tecnologia aplicada dentro dele. E a recria teve que acompanhar para chegar e atender rapidamente a essa demanda”, diz Hugo Cunha.

Para levar mais tecnologia à fase de recria, o executivo acrescenta que a dsm-firmenich acaba de lançar o Fosbovi® Advance, um suplemento mineral com ureia, aditivo fitogênico exclusivo (Digestarom Prime®) e microminerais de alta tecnologia em níveis elevados que proporcionam melhora da performance produtiva, da saúde gastrointestinal e da resposta imune dos animais. “É o primeiro produto com a solução de performance da companhia para animais a pasto.  E, logo no início das vendas, já estamos sorrindo com os resultados, o que mostra que uma parte dos produtores já está investindo em produtos diferenciados, para que ele também obtenha resultados melhores dentro da porteira”, comenta Hugo Cunha.

E avisa sobre outra grande oportunidade para os pecuaristas: o mercado de cria. “Tem que colocar no radar, porque já sabemos que, no próximo ano, vai voltar a ter uma valorização do bezerro. E para ter bezerro em 2025, precisamos trabalhar esse animal hoje. Como a vaca é criada essencialmente a pasto, ela precisa da suplementação nutricional para fazer com que ela seja fértil, tenha a sua reprodução assegurada e transfira para o filho. Agora é a hora de investir!”, aponta.

O futuro já começou

Para o consultor Rogério Goulart, o pecuarista precisa se fazer ao menos duas perguntas. Uma de curto prazo: será que vou perder dinheiro com os animais que vou abater agora e os bois que vou comprar mais para frente? “Não estou nem falando de ganhar aqui. Como é que a gente ganha dinheiro? Trabalhando, sendo eficiente no pasto, na nutrição, na comercialização. Agora, eu vou deixar esse meu trabalho todinho vir por água abaixo, sendo que eu poderia ter algum tipo de proteção para aquilo?”, questiona.

E outra pergunta a ser feita é de longo prazo: sua fazenda está preparada para o futuro? “Os ciclos sempre são relacionados à comércio. Se quiser mitigar os riscos dos ciclos de preço, tem que atacar melhor a sua comercialização. De que maneira? Tentando vender o seu gado na alta e, na fase agora de virada de preço, tentar segurar o máximo possível o animal barato dentro da fazenda ou ter um estoque barato. Assim você consegue capturar nas altas mais margem de lucro, porque vai vender animais teoricamente mais caros no tempo certo e seu custo de produção vai estar barato, pois você investiu mais na fase boa, que é quando está barato. O inverso também é verdadeiro. Na alta, você evita comprar boi caro. Venda seu estoque, espere um pouco mais para repor, tem de repor mais barato”, avisa.

“Acredito que a oscilação de mercado sempre vai existir, mas os pecuaristas mais bem preparados, aqueles que têm a gestão da sua fazenda na palma da mão e controlam todos os indicadores, tanto produtivo quanto financeiro, irão surfar melhor a onda de baixa e, na alta, terão ganhos exponenciais”, enfatiza João Yamaguchi.

“A reação do mercado já começou e, se você for esperar um pouco para cair mais o valor da reposição, não adianta, porque isso não vai acontecer.  Não pode ficar esperando para acertar o menor preço de compra e de venda. A gente nunca vai sair para o pico. Você determinou suas metas de rentabilidade ou de lucro por arroba. Ao atingi-las, você tem que girar”, argumenta Tiago Acedo.

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