Rodrigo Albuquerque: É preciso manter o pé no chão e tirar a euforia da sala

Previsões otimistas para a pecuária em 2025 não dispensam cautela e investimentos em tecnologia e nutrição animal

Mylene Abud

As expectativas para o novo ano são muito positivas para a pecuária brasileira. Segundo Rodrigo Albuquerque, o ânimo dos produtores é bem-vindo, já a euforia…precisa ser dispensada. “Preços melhores ajudam muito, premiam aqueles que têm um sistema de produção bem resolvido. Mas preços melhores não resolvem o problema de quem é ineficiente porteira da fazenda adentro”, afirma.

Pecuarista e analista de mercado, Rodrigo também é categórico ao afirmar que, mesmo ante a pouca diferença de preço, produzir o boi China é melhor para toda a cadeia. Entre as vantagens, destaca o giro mais rápido e a qualidade da carne, boa para o mercado e o consumidor. “Para produzir um boi China, precisa de genética, de pacote tecnológico e, com isso, o produtor vai colher melhores índices zootécnicos, financeiros e econômicos.  A vantagem do boi China não está no prêmio, mas sim no processo de produção”, sentencia.

Rodrigo Albuquerque também conceitua a nutrição e a suplementação animal como o carro-chefe para transformar o potencial genético melhorado dos animais em ganho. “O suplemento tem que suplementar o que falta no pasto, e não o pasto que falta. Ou seja, deve ser usado como ‘tamanco’, e não como ‘muleta’. Então, se o produtor não tiver um pasto bem resolvido e quiser solucionar os problemas de pastagem com base em suplementação, ele provavelmente vai ter dificuldade. Agora, se ele usar a suplementação da forma correta, será uma ferramenta”, fala ele, na entrevista que você acompanha a seguir.

Noticiário – Qual o seu balanço do ano de 2024 para o setor? O que houve de bom e de ruim?
Rodrigo Albuquerque – Meu Balanço é que 2024 foi bastante desafiador, sem dúvida nenhuma. O ano foi dividido em duas partes bem definidas e opostas. A primeira metade com os preços, os produtores sofrendo, e a segunda metade foi bastante animada, houve uma euforia muito grande. Digo que foi um ano bipolar. Nós estávamos na lama, literalmente, e fomos para o Paraíso. O que teve de bom foram os preços em recuperação consistente para todas as categorias. Além dos preços, a gente teve uma margem melhor para a recria e, principalmente, para a engorda.  Foram os ciclos produtivos que se encerraram, os animais abatidos em meados do primeiro semestre e, especialmente, no segundo semestre, tiveram margens satisfatórias. O que estava acumulado, retido na ponta final da cadeia, começou a migrar para a base. O ruim do ano foi uma curva muito achatada de preços no primeiro semestre, com uma situação climática bastante desafiadora, de chuvas abaixo da média e temperaturas muito, mas muito acima.

Noticiário – Nas últimas semanas, o mercado do boi gordo tem registrado altas nos preços da arroba, que já batem os R$ 340 em algumas regiões do país. Esse cenário deverá se manter ao longo do próximo ano?
Rodrigo Albuquerque – Sim, temos visto preços de maneira recorrente, semana após semana, baterem valores que nem os pecuaristas mais otimistas esperavam para 2024. E quando olhamos para o horizonte de 2025, 2026, certamente haverá ventos melhores pela frente. Esse cenário deve se manter, porque saímos da fase de alta oferta do ciclo pecuário e estamos entrando na fase de baixa. Ou seja, estávamos abatendo muitos animais nos últimos dois anos, principalmente fêmeas, e, com o início da recuperação de preços da reposição dos bezerros, garrotes e boi magro, nós devemos entrar em uma fase de retenção de fêmeas. Portanto, redução de oferta e, consequentemente, o aquecimento dos preços. Essa é a tendência mestre, mas momentos de consolidação, de lateralização ou até de pressão podem ocorrer mesmo nessa curva ascendente. Por exemplo, o final de safra de 2025 é um momento de atenção, por mais que o contexto seja bem mais positivo. Por isso, é necessário sempre manter o pé no chão e tirar a euforia da sala, como nós gostamos de dizer.

Noticiário – Com a diferença de preços com o boi comum diminuindo, ainda é vantagem para o pecuarista produzir o “boi China”?
Rodrigo Albuquerque – Vimos reduzir a diferença de preço do boi comum com o boi China, mas a resposta para mim é muito clara: produzir o boi China é, sem dúvida, melhor para todo mundo. O boi China é o boi novo, de giro mais rápido, que é abatido entre 24 e 30 meses, com peso de carcaça maduro. Esse animal vai apresentar índices zootécnicos melhores, vai ter uma qualidade de carne melhor, aspectos de maciez e organolépticos mais interessantes. Então, ele é bom também para o consumidor, tanto do mercado interno quanto do externo. É um boi mais seguro, inclusive do ponto de vista de sanidade animal. A Doença da Vaca Louca clássica, que nós não temos no Brasil, ocorre em animais mais velhos. Além do aspecto sanitário, eu ressaltaria os ganhos dentro da fazenda. Para produzir um boi China, precisa de genética, de pacote tecnológico e, com isso, o produtor vai colher melhores índices zootécnicos, financeiros e econômicos.  Então, a vantagem do boi China não está no prêmio, mas sim no processo de produção. E eu diria que essa mudança é irreversível e nós devemos continuar ofertando ao mercado boiadas cada vez mais novas, bem-acabadas, com rastreabilidade, com um aspecto sanitário muito bem resolvido. Para mim, essa é a tendência.

Noticiário – Como avalia a recuperação dos preços da carne bovina no exterior, cujos embarques atingiram US$ 354,55 milhões em novembro, acréscimo de 37% na média diária sobre o mesmo período em 2023?
Rodrigo Albuquerque – Acho que tem dois aspectos a se considerar. Primeiro, um aspecto global. A gente deve conviver, nos próximos anos, com o cenário de redução de oferta Internacional, em razão de um fato inédito e importantíssimo de alinhamento de ciclo pecuário entre os quatro principais países exportadores: Brasil, Austrália, Argentina e Estados Unidos. Então, nós devemos entrar com esses quatro países, pela primeira vez na história, na rota de expansão de rebanho, ou seja, de retenção de fêmeas, e isso deve diminuir a oferta global de carne para comercialização. Isso é o que vemos no horizonte dos próximos dois, três anos. Do ponto de vista mais de curto prazo, a gente percebe o mercado internacional girando entre US$ 55 e US$100. E o Brasil oscilou, nos últimos 18, 24 meses, abaixo de US$ 50. Acredito que esse piso tende a se tornar bastante resiliente, é uma baliza mínima, e é importante em termos de mercado Internacional. Como o país estava muito abaixo dessa faixa onde estão posicionados os principais players de exportação, o mundo veio com uma demanda muito voraz em 2024, porque a carne brasileira estava muito mais barata do que a de seus principais concorrentes. O mundo se abasteceu da nossa carne bovina, e foi bom porque drenou esse estoque que nós tínhamos de produção, dados os recordes que a cria promoveu com investimentos nas estações de monta 2020/2021, e isso acabou gerando produções muito robustas entre 2023/2024. Essa produção encontrou o mercado externo, que arbitrou essa diferença da carne e enxugou a nossa produção, que também foi potencializada por desafio climático. Resumindo, a exportação foi uma grande saída, foi bom para todos. O mundo precisava de uma carne em volume – eu costumo dizer que o Brasil é o hipermercado do mundo – e acabamos escoando a nossa produção com essa demanda mundial, o que fez, com certeza, ajudar o suporte dos nossos preços.

Noticiário – Como os produtores podem se preparar para a ocorrência de eventos climáticos cada vez mais extremos, como seca severa e chuvas torrenciais?
Rodrigo Albuquerque – Eu diria que os produtores são, de alguma forma, passageiros, porque o que afeta as grandes cidades, os estados, afeta as propriedades rurais. O primeiro passo para os produtores brasileiros se prepararem remete à questão da responsabilidade ambiental, que a grande maioria já tem, as reservas legais, áreas de preservação permanente bem consolidadas. No Brasil, temos o Código Florestal mais rigoroso do mundo, que é um cartão de visitas muito interessante do ponto de vista de sustentabilidade para quem precisa vender a sua produção para fora, como é o nosso caso. Toda essa legislação ambiental é bem-vinda e os produtores, na maioria esmagadora dos casos, seguem essa legislação. O segundo passo é fazer solo como o lavourista e tratar o capim como lavoura. Esse suporte vegetal é a mais-valia, é o grande diferencial da pecuária brasileira. Um capim e um solo bem resolvido, se enfrentar períodos de menos umidade, maior temperatura, ele fica mais resistente. E a base da pecuária brasileira é o capim. O nosso confinamento é extremamente importante por diversos motivos, inclusive para manejar o pasto. Mas a pastagem é a base da pecuária brasileira e, para ter um pasto que enfrente maiores desafios climáticos, é preciso ter um solo equilibrado do ponto de vista físico, químico e microbiológico.

Noticiário – Qual a importância da nutrição animal e da suplementação com produtos tecnológicos para intensificar a produção com saúde, bem-estar animal e sustentabilidade?
Rodrigo Albuquerque – A nutrição animal, a suplementação, é fundamental. Como eu gosto de lembrar nas aulas de reprodução, o cio entra pela boca. O ganho médio diário dos animais em recria e engorda entra pela boca. Então, sem uma nutrição, uma suplementação adequada, é difícil imaginar índices produtivos compatíveis com um gado que tem um potencial genético em elevação nas últimas décadas. É importante que se diga isso. O trabalho que a os melhoradores de gado no Brasil estão fazendo é fantástico e, cada vez mais, esses animais têm um maior potencial de entrega. Mas para transformar de fato esse potencial em entrega, é preciso ter um suporte tecnológico. Eu, como médico-veterinário, ex-nutricionista e, atualmente, pecuarista e analista de mercado, falo que, dentre todo esse suporte tecnológico, a nutrição, a suplementação é o carro-chefe para transformar esse potencial genético melhorado em ganho. Porque aí a gente vai estar mais perto do lucro. Eu gosto muito de um conceito que fala que o suplemento tem que suplementar o que falta no pasto, e não o pasto que falta. Ou seja, o suplemento deve ser usado como “tamanco”, e não como “muleta”. Então, se o produtor não tiver um pasto bem resolvido e quiser solucionar os problemas de pastagem com base em suplementação, ele provavelmente vai ter dificuldade. Agora, se ele usar a suplementação da forma correta, da forma que as equipes técnico-comerciais das empresas, como a dsm-firmenich, recomendam, um uso consciente e adequado para entregar o desempenho que o animal precisa de acordo com a pastagem que tem, sem dúvida nenhuma, é uma ferramenta. É, na minha opinião, a base de todo o pacote tecnológico, indiscutivelmente.

Noticiário – Nessa virada de chave prevista para 2025, o que os pecuaristas podem esperar? Como se preparar para aproveitar a maré alta, aumentar a rentabilidade e a produtividade de forma sustentável?
Rodrigo Albuquerque – Podemos esperar ventos melhores, tanto para a precificação de animais terminados quanto em recria e cria. Acho que as notícias são positivas para todos os setores. De novo, o ânimo é muito bem-vindo, mas a euforia precisa ser dispensada. Preços melhores ajudam muito, premiam aqueles que têm um sistema de produção bem resolvido. Mas não resolvem o problema de quem é ineficiente porteira da fazenda adentro. Não podemos jogar nas costas do mercado toda a solução para os nossos problemas. Sem dúvida nenhuma, preços melhores são positivos, mas eles demandam atenção, requerem um sistema de produção que entrega ganho, se for recria e engorda, e que entrega quilos de bezerros desmamados por vaca exposta, se for cria. Esperamos, e vamos ter, sim, ventos melhores! E precisamos estar preparados para aproveitar esse momento de colher boas margens e fazer investimentos estruturantes nas fazendas durante os próximos 24 meses. Assim, quando vier a próxima fase de baixa, que certamente virá, porque a pecuária é cíclica, a gente vai estar mais preparado, com mais habilidade, mais competência. A gente deve usar esse momento de bons ventos para aprimorar a nossa habilidade, a nossa competência, para entregar bastante desempenho produtivo. E, como eu gosto sempre de dizer, uma fazenda no azul em termos de resultado financeiro, certamente será verde, terá condições de desenvolver sustentabilidade na área ambiental, social e de bem-estar animal, um círculo virtuoso. É trabalhar duro, aproveitar o momento, mas manter os pés no chão, com muita humildade. E canalizar essas margens melhores para investimentos estruturantes.

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