Produção de Carne Proveniente de Rebanhos Leiteiros – Beef-on-Dairy: Realidade nos EUA e Oportunidades no Brasil

Felipe Kuczny
Zootecnista – Gerente Técnico Regional Sul – Gado de Corte

Prof. Dr. Pedro Carvalho
Zootecnista – Professor e pesquisador na AgNext – Colorado State University

A produção de carne bovina a partir de rebanhos leiteiros tem ganhado destaque em países como os Estados Unidos, onde o conceito de beef-on-dairy – o cruzamento de vacas leiteiras com raças de corte – se tornou uma prática cada vez mais comum. Historicamente, esse modelo focava a engorda de animais de raças leiteiras puras, como a Holandesa, mas evoluiu para incluir cruzamentos, especialmente entre as raças leiteiras e de corte, como Angus e Charolês. Essa integração visa aproveitar a eficiência produtiva da cadeia leiteira, maximizando o uso dos recursos disponíveis e agregando valor aos rebanhos, por meio de carcaças mais bem valorizadas. No Brasil, o modelo beef-on-dairy ainda é uma oportunidade em potencial, mas traz grandes vantagens em termos de diversificação da produção, sustentabilidade e aumento da competitividade no mercado global.  

Já existem projetos consolidados e outros em desenvolvimento nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, com resultados bastante satisfatórios. Um desses projetos está localizado na cidade de Carambeí, no Paraná, conduzido pela Cooperativa FRISIA. Iniciado em 2018, o projeto foi baseado no modelo implementado por produtores do norte do México, na região de Torreón.

Ao longo desses anos, a cooperativa, em parceria conosco, adaptou o modelo de produção às condições e à realidade local, alcançando excelentes resultados zootécnicos e financeiros. Esse esforço tem fornecido ao mercado consumidor uma carne de altíssima qualidade, atraindo parceiros estratégicos no segmento de carnes premium, como a Cooperaliança.

Recentemente, a Cooperaliança obteve a certificação da carne proveniente do cruzamento de raças leiteiras com a raça Angus, concedida pela Associação Brasileira de Angus. Essa certificação agrega valor ao produto e beneficia os produtores na comercialização. O projeto tornou-se um case de sucesso e uma quebra de paradigmas na produção de carne a partir de animais de origem leiteira.

Produção de Carne em Cruzamentos Beef-on-Dairy: Tendências e Desafios nos EUA
No sul do estado da Califórnia (EUA), na região do Imperial Valley, a prática de engorda de cerca de 400.000 bovinos leiteiros em confinamentos para produção de carne permitiu o desenvolvimento de dietas e métodos de manejo específicos para esses animais. Embora os confinamentos ainda alimentem bezerros puros da raça Holandesa, a presença de cruzamentos beef-on-dairy tem crescido, com animais cruzados entre raças de corte e leiteiras apresentando melhor desempenho em características de carcaça.

Pesquisa realizada em fazendas leiteiras na Califórnia mostrou que 81% dos produtores já utilizavam sêmen de raças de corte em seus rebanhos leiteiros, prática que se expandiu a partir de 2017. Contudo, dúvidas sobre a alimentação e o manejo de bovinos beef-on-dairy tornam os produtores cautelosos em transitar completamente para o uso de cruzados, deixando alguns bezerros Holandeses puros como uma alternativa de produção. Algumas das principais dúvidas envolvem:

  • Como alimentá-los, se de forma semelhante ao Holandês puro ou com manejo inicial diferenciado;
  • A exigência energética, uma vez que o Holandês demanda cerca de 12% mais energia que as raças de corte;
  • A escolha do sêmen de corte mais adequado para resultados positivos no confinamento;
  • A resistência ao calor, especialmente em áreas desérticas como o sudoeste americano

Pesquisas recentes no deserto da Califórnia buscaram responder a essas questões ao comparar Holandeses puros com cruzados Angus-Holstein. Ambos os grupos iniciaram o confinamento com cerca de 135 kg e foram alimentados por 328 dias. Os resultados mostraram que os cruzados consumiram 3% menos matéria seca e apresentaram 5% mais eficiência alimentar em comparação aos Holandeses puros, demonstrando maior eficiência na conversão de energia.

No quesito carcaça, os cruzados Angus-Holstein se destacaram, com maior peso de carcaça quente, rendimento, cobertura de gordura, área de olho de lombo e marmoreio em relação aos Holandeses puros. Essa característica reforça que cruzamentos podem resultar em produtos mais adequados para mercados que valorizam cortes premium.

Em estudos subsequentes, raças de corte como Angus e Charolês foram comparadas no modelo beef-on-dairy, utilizando animais cruzados Angus-Holstein e Charolês-Holstein. Os cruzados Angus-Holstein alcançaram 3% maior peso vivo final e 5% maior consumo de matéria seca, embora a conversão alimentar fosse semelhante entre os grupos. Na avaliação das carcaças, os cruzados Angus-Holstein tiveram maior cobertura de gordura e melhores pontuações de marmoreio, enquanto os Charolês-Holstein apresentaram maior área de olho de lombo.

Oportunidades no Mercado Brasileiro
No Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo, o modelo beef-on-dairy pode impulsionar a integração entre a produção leiteira e a de carne, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, onde a pecuária leiteira é mais consolidada. A introdução de cruzamentos em rebanhos leiteiros traz vantagens para produtores, que podem diversificar suas fontes de renda e aproveitar o mercado em expansão para cortes premium.

Tabela 1

Com base no rebanho leiteiro no Brasil, observa-se uma grande oportunidade para expandir o modelo de produção beef-on-dairy. De acordo com dados do CEPEA (Tabela 1), o país conta com aproximadamente 15,5 milhões de matrizes aptas à reprodução. Considerando uma taxa de desmame de 65%, com 50% dos animais desmamados sendo machos, e estimando que 90% desses bezerros não são aproveitados para a produção de carne especializada, há uma oferta anual de cerca de 4,5 milhões de animais disponíveis que poderiam ser incorporados ao sistema beef-on-dairy.

Essa subutilização representa um potencial significativo para maximizar a eficiência do sistema de produção de carne no país, gerando maior valor agregado a partir de recursos já existentes

1. Valorização de Bezerros Cruzados

O uso de sêmen de corte em vacas leiteiras resulta em bezerros com maior valor de mercado, possibilitando aos produtores de leite ganhos adicionais. Esses animais podem ser direcionados tanto ao mercado interno quanto ao de exportação.

2. Demanda por Carne de Qualidade

O crescimento da demanda por carne premium no Brasil e em mercados como os da Europa e Ásia encontra no beef-on-dairy uma fonte de carne com características desejáveis, como maior marmoreio e acabamento de gordura. Esses cruzamentos com raças britânicas são adequados para atender consumidores que valorizam cortes com maior maciez e sabor.

3. Sustentabilidade e Eficiência de Recursos

O sistema beef-on-dairy possibilita o uso mais eficiente dos recursos ao aproveitar a infraestrutura já existente da pecuária leiteira para a produção de carne. Além disso, ele melhora a eficiência no uso dos alimentos, direcionando-os a animais criados em sistemas especializados, com critérios e objetivos claros de desempenho ao longo do ciclo produtivo, em vez de simplesmente alimentá-los por um período e comercializá-los sem padrão definido. Essa prática de otimização contribui para um modelo mais sustentável.

Apesar das vantagens, a adaptação do modelo beef-on-dairy no Brasil requer alguns ajustes e critérios que são imprescindíveis para o sucesso do sistema. Alguns parâmetros utilizados na engorda de animais de corte precisam ser adaptados para o modelo beef-on-dairy. Processos internos da operação, como o perfil da dieta alimentar dos animais, especialmente os níveis de energia e proteína, o uso de aditivos que promovam melhor eficiência alimentar e maior rendimento de carcaça, além do manejo correto na fase inicial (aleitamento), impactam diretamente o resultado.

Considerações Finais

A produção de carne beef-on-dairy apresenta um potencial transformador para a pecuária brasileira, oferecendo uma alternativa viável e sustentável para os rebanhos leiteiros. A integração entre os setores de leite e carne no Brasil proporciona vantagens econômicas e ambientais significativas, além de atender à crescente demanda por carne de qualidade. Com o apoio de cooperativas do setor e com investimentos no modelo de produção, o Brasil tem a oportunidade de seguir o exemplo norte-americano e se consolidar na produção de carne proveniente de cruzamentos leiteiros, alinhando-se a mercados exigentes e promovendo uma pecuária mais eficiente e lucrativa.

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