O papel superlativo da China na pecuária brasileira

Dr. Thiago Bernardino de Carvalho
Dra. Andréia Adami
Dra. Ana Paula Silva

Equipe Cepea

A pecuária brasileira é um dos tantos setores que se modificaram ao serem tocados pela mão pesada da demanda chinesa. De 2019 para cá, o interesse pelo “boi China” (não apenas boi), ou seja, animais prontos para o abate ao redor de dois anos de idade estimulou a expansão dos confinamentos e moldou o perfil dos lotes que chegam para ganho de peso acelerado. Por consequência, também o “produto” que se demanda do segmento de cria foi influenciado. O manejo, com ênfase na alimentação, nos tratos sanitários e nas tecnologias de mensuração de desempenho dos lotes, também evoluiu rapidamente.

Segmentos da pecuária que não têm a exportação como alvo também foram impactados por esses avanços. Boa parte da pecuária nacional deu um passo adiante em eficiência. Aqueles que têm resistido a modificações contabilizam margens apertadas ou negativas.

As formas de negociação e de precificação também se ajustaram com o fortalecimento das exportações. Confinamentos já robustos foram ampliados e aumentaram seu poder de negociação frente à indústria. Os patamares de preços alcançado por esses produtores são maiores que os obtidos por pecuaristas com vendas mais distribuídas.

Na prática, ocorre uma dupla pressão sobre a rentabilidade de produtores menores. Além do preço, outra pressão é exercida pela alta competitividade produtiva dos confinamentos, que compram insumos em grandes quantidades e, por tal escala, conseguem diluir o custo de mão de obra especializada e equipamentos de alto desempenho. 

Alterando-se o foco desses desafios enfrentados por um número significativo de pecuaristas para o aspecto conjuntural do setor, vê-se que o estímulo da China traz consigo também traços de “dependência”, e tanto para o Brasil quanto para a China, que é majoritariamente abastecida por carne brasileira.

Segundo dados do governo chinês, as importações de carne bovina daquele país totalizaram 2,737 milhões de toneladas em 2023. Desse total, 43% teriam saído do Brasil, 19%, da Argentina e 10%, do Uruguai – Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Chile forneceram volumes menores.

Do ponto de vista do Brasil, em 2022, a China foi destino de 62% do volume de carne bovina in natura exportada e respondeu por 67% da receita em dólar. No ano seguinte, participou com 60% do volume e, também, com 60% da receita em dólar. Nos primeiros seis meses de 2024, a China representou 50% do volume exportado e 49% da receita obtida.

Especificamente no mês de julho/24, a China adquiriu 51% do volume de carne bovina in natura vendida ao exterior, o que gerou 51% da receita em dólar; o preço médio pago pelos chineses esteve levemente abaixo da média de todos os destinos.

Desde 2019, a China vinha pagando pela carne bovina in natura acima da média geral obtida pelos exportadores brasileiros com as vendas para todos os destinos. Mas esse diferencial se reduziu, a ponto de o preço médio recebido dos chineses ficar abaixo da média geral.

Em 2022, por exemplo, o valor médio em dólar pago pelos chineses foi 8% maior que o preço médio total. Em 2023, esse diferencial caiu para 1,3% e, no primeiro semestre de 2024, esteve 1% “abaixo” da média.

A queda ocorre também no comparativo com os próprios preços pagos pela China. No semestre terminado em junho, o valor em dólar da carne bovina in natura caiu 4%. Em julho, o preço em dólar ficou quase 15% abaixo do registrado em julho de 2023 e 31% abaixo da média de julho de 2022.

Figura 1 – Indicador CEPEA/B3 e Preços de Exportação (China e Média Geral)
Fontes: Cepea e MDIC/Secex; elaboração Cepea

Diante de tamanha importância que a China tem para o mercado pecuário brasileiro, seus indicadores precisam ser acompanhados de perto. A meta do governo chinês é que sua gigantesca economia cresça 5% neste ano. Dados do primeiro trimestre sinalizaram aumento de 5,3%, mas, no segundo trimestre, a taxa veio um pouco abaixo, foi de 4,7% – um fator de atenção é a queda da produção da indústria no segundo trimestre.

Esse contexto pode sinalizar enfraquecimento das importações chinesas de carne bovina. De fato, as estatísticas da Administração Geral Aduaneira da China já revelam queda de aproximadamente 10% no volume importado de carne de bovinos no primeiro semestre do ano.

No entanto, o volume exportado pelo Brasil para a China aumentou justamente 10% no período, segundo dados oficiais do Brasil (Secex). Em julho desse ano, o volume foi 32% maior que o de julho de 2023 e 34% superior ao de junho de 2024.

É bom lembrar que a carne bovina é uma commodity alimentar, mas um produto de maior valor agregado e com maior potencial de ser afetado por variações na renda – maior elasticidade-renda, quando comparada à soja, por exemplo – e, ainda, com um número maior de substitutos, como as carnes de frango e suína. Caso a renda dos chineses sofra alguma contração, o consumo de carne bovina tende a ser mais rapidamente impactado do que de alimentos mais baratos e essenciais. 

A China tem contribuído para a “evolução” da pecuária nacional e, de certa forma, o risco diante de tamanha concentração das vendas para este país tem sido administrado pelos exportadores nacionais.

Apesar da queda observada nos valores pagos pela China, de janeiro a julho de 2024, a receita em dólar gerada pelo conjunto das exportações de carne bovina brasileira cresceu quase 18%. Houve aumento dos embarques para outros destinos, como Estados Unidos e países árabes (Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) e isso mais que compensou a retração chinesa – que se deveu à queda nos preços, já que houve aumento no volume. O volume total dos embarques cresceu 27% nesses sete meses, comparados com o ano anterior, mas os preços médios caíram 7,7%.   

Figura 2 – Preço e Volume de Carne Bovina Exportada do Brasil para a China
Fonte: MDIC/Secex; elaboração Cepea

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