Aumentar a produtividade é essencial para enfrentar margens reduzidas e aproveitar o potencial
Mylene Abud
Engenheiro-agrônomo, pecuarista de leite e de corte, consultor e palestrante, Maurício Velloso é uma das vozes mais atuantes da pecuária nacional. À frente da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), ele também integra comissões estratégicas da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), do Ministério da Agricultura e Pecuária e de conselhos ligados ao agronegócio. Recentemente, participou da criação da União Nacional da Pecuária – agremiação que congrega associações e entidades pecuárias afins, com o objetivo de representar o pecuarista nas discussões de temas nacionais do setor.
Mesmo diante do impacto provocado pelo tarifaço imposto pelo governo norte-americano, o presidente da Assocon segue confiante na possibilidade de um acordo em breve. “É válido ressaltar que a importação de carne bovina brasileira pelos Estados Unidos é um excelente negócio também para os americanos, e não importar do Brasil, péssimo para eles”, ressalta.
E defende a intensificação como uma das melhores respostas à diminuição da margem do negócio pecuário. “É, também, a forma correta de otimizar a manifestação plena do extraordinário avanço genético do rebanho nacional, encurtando os ciclos de cria, recria e engorda, aumentando o giro e a lucratividade”, afirma Maurício Velloso na entrevista que você confere a seguir.
Noticiário Tortuga – Segundo dados de junho do Censo de Confinamento da dsm-firmenich, o Brasil deve confinar 8,53 milhões de cabeças de gado em 2025, aumento de 7,1% em relação a 2024. Esse número consolida a tendência de intensificação da produção pecuária?
Maurício Velloso – A nossa projeção de gado terminado em confinamento, em todas as suas modalidades, supera os 10 milhões de cabeças. Não apenas pelos bezerros e bezerras comprados aos valores mais baixos da história recente, ao fim do primeiro semestre de 2024, como também pelos baixos valores do milho e bons valores de trava futura ocorridos há alguns meses. A intensificação, ou incrementos de produtividade, é uma das melhores respostas à diminuição da margem do negócio pecuário e, também, a forma correta de otimizar a manifestação plena do extraordinário avanço genético do rebanho nacional, encurtando os ciclos de cria, recria e engorda, aumentando o giro e a lucratividade.
Noticiário – Quais são os principais desafios enfrentados pelos confinadores em 2025?
Maurício Velloso – O maior desafio de 2025 foi acertar os valores futuros da arroba, e continua sendo. Via de regra, o confinador profissional navega sob a bandeira da segurança do negócio, usando todas as ferramentas de trava e seguro ao seu favor. Há, entretanto, quem prefira torcer ou jogar, transformando um ótimo negócio, a terminação de bovinos, num arriscado cassino.
Noticiário – Como a associação avalia o impacto do tarifaço de Donald Trump para o setor?
Maurício Velloso – É evidentemente péssimo perdermos clientes importadores, ainda mais num nível robusto como estavam sendo as exportações aos EUA, o segundo colocado no primeiro semestre de 2025. Entretanto, a carne bovina brasileira, 21 % mais barata, em média, em comparação aos outros principais players competidores, e hoje reconhecida mundialmente pela sua qualidade, é produto desejado pelo mundo. Depois de anunciado o tarifaço, a exportação de carne aumentou em volume e em valor, deixando claro que a disponibilidade extra de carne bovina brasileira revelou-se excelente oportunidade para vários países. É válido ressaltar que a importação de carne bovina brasileira pelos EUA é um excelente negócio também para os americanos, e não importar do Brasil, péssimo para eles. Acreditamos em um acordo em breve.
Noticiário – De que forma a tecnologia tem transformado a atividade pecuária?
Maurício Velloso – Tecnologias são instrumentos de produtividade que podem ou não ser materiais. Medicamentos e mecanismos de prevenção de doenças, instalações racionais, nutrição estratégica, programas integrados de gestão, genética melhoradora e altamente produtiva ou, simplesmente acertar o timing de entrada e saída do gado das pastagens. Em um universo feérico de novidades vendidas como tecnologias, é preciso prática e lucidez para encontrar aquelas que, de fato, interferem positivamente nos processos produtivos, otimizando-os. A aplicação das tecnologias exige prática, visão holística da produção como processo, customização e concomitância das mesmas.
Noticiário – Qual a importância da nutrição e da suplementação para o sucesso do negócio?
Maurício Velloso – A genética bovina brasileira tem se destacado pelo avanço em precocidade, produção e produtividade. Animais que emprenham mais cedo, crescem e engordam mais rápido, sem qualquer dúvida demandam mais e melhores dietas, nutrientes e nutrição. O atendimento à maior exigência é crucial para transformar o ganho genético em ganhos de produtividade e lucro. Depois do valor do próprio gado, é a nutrição que ocupa o maior valor no custo de produção, sendo fundamental que a suplementação bovina seja utilizada, sempre, dentro de um plano estratégico para cada classe animal.
Noticiário – Uma pecuária mais sustentável passa pela terminação intensiva?
Maurício Velloso – Consideramos por “terminação” todo cumprimento de cada um dos ciclos da produção pecuária, e não somente o da engorda. Cada classe animal deve cumprir o seu trajeto de forma racional e econômica, no intuito de promover a produtividade, a margem e, por fim, fazer mais com menos, o grande mantra da sustentabilidade. Vacas bem nutridas parem bezerros e bezerras com maior
potencial produtivo. Essas crias corretamente conduzidas serão desmamadas pesadas, quase dispensando a recria: fêmeas próximas à reprodução, machos próximos ao regime de engorda, à pasto ou confinados. A intensificação é um processo produtivo visando a melhor produtividade (não a maior) e, como tal, promove em consequência a sustentabilidade do sistema.
Noticiário – Qual a importância da União Nacional de Pecuária, nova entidade representativa do setor?
Maurício Velloso – A União Nacional da Pecuária é uma agremiação madura que congrega associações e entidades pecuárias afins, com o objetivo de representar o pecuarista nas discussões de temas nacionais da pecuária. Cada membro associado mantém a sua identidade e os seus objetivos particulares intactos, e se unificam frente a temas transversais a todos.
Noticiário – Para fechar, podemos dizer que a pecuária moderna no Brasil desempenha um papel crucial na construção de um futuro mais sustentável e produtivo?
Maurício Velloso – Parte significativa da pecuária brasileira já ocupa o primeiríssimo lugar mundial em produtividade com sustentabilidade. Temos, no entanto, o desafio de igualar conhecimento e oportunidades pelos vastos e desiguais rincões brasileiros. É preciso democratizar as tecnologias de produtividade, o conhecimento em aplicálas e o crédito competitivo para inverter o ciclo da pobreza em ciclo virtuoso. E, claro, divulgarmos todos, estado e sociedade, a excelência produtiva do Agro brasileiro, orgulho nacional.