Maílson da Nóbrega: A produtividade é a chave para o crescimento

Principal fator de geração de renda e riqueza de um país, o índice pode ser alavancado pelo uso da tecnologia

Mylene Abud

Em mais um ano desafiador para o País e para o mundo, o Agronegócio brasileiro continua a ser a mola propulsora do Produto Interno Bruto (PIB), beneficiado principalmente pelo aumento do preço das commodities. A avaliação é do economista, ex-ministro da Fazenda entre os anos 1988-1990, autor de livros e colunista de jornais e revistas, Maílson da Nóbrega.

Segundo ele, o principal fator para o crescimento de todos os setores, incluindo o Agro, é o aumento da produtividade, impulsionado pelo uso de tecnologias. E a tão esperada entrada do Brasil na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) poderá contribuir para a abertura de mercado para os produtos do agronegócio. “Inclusive pela eliminação de barreiras que existem contra a entrada desses produtos na Europa. Hoje, a aprovação do Brasil pela Organização depende essencialmente de atitudes do Governo em relação ao meio-ambiente”, sacramentou, na entrevista que você confere a seguir.

Noticiário Tortuga – 2021 será mais um ano desafiador em função da pandemia de Covid-19. Quais as perspectivas para a economia do País, principalmente para o Agro brasileiro?
Maílson da Nóbrega – Este ano será, sim, desafiador, mais do que se imaginava. Isso porque a segunda onda da pandemia terá impactos negativos muito fortes na atividade econômica, dada a necessidade de renovar restrições para conter a disseminação do vírus e a sobrecarga dos serviços de saúde. Minha estimativa para o desempenho do PIB é de uma elevação de 2,7% em 2021. Na verdade, isso significa que a atividade econômica ao longo do ano sofrerá uma contração. De fato, o carregamento estatístico, de 3,6%, implicava que essa seria a taxa mínima de crescimento se a atividade econômica estagnasse. Mas, na verdade, ela vai se contrair, devido à queda do PIB nos dois primeiros trimestres, da ordem de 0,5 ponto percentual em cada um deles. O agronegócio deve ter resultado bem melhor, beneficiado pela elevação dos preços das commodities.

Noticiário Tortuga – Juros baixos, dólar alto, fenômeno La Niña, aumento do preço do milho. Como esses fatores deverão influenciar o setor?
Maílson da Nóbrega – Todos esses fatores influenciam positivamente o setor, pois contribuem para aumentar a renda dos produtores. Deles, o mais relevante é a elevação dos preços das commodities e, em segundo lugar, uma taxa de câmbio mais favorável à atividade do agronegócio.

Noticiário Tortuga – Os preços elevados da arroba registrados em 2020 vão permanecer?
Maílson da Nóbrega – Tudo indica que sim. A forte recuperação da economia chinesa, da economia americana e, em grau menor, da economia europeia são fatores que sustentam preços mais elevados das commodities.

Noticiário Tortuga – A China continua sendo o nosso principal comprador. Como estreitar as relações com esse país asiático e, também, prospectar novos mercados para evitar a dependência?
Maílson da Nóbrega – A China vai continuar a ser o nosso maior comprador ainda por muitos anos. O estreitamento das relações com os chineses tem ocorrido naturalmente por ações do setor privado. O governo Bolsonaro cometeu, algumas vezes, erros no tratamento com a China, inclusive na questão das vacinas e da ameaça de excluir a Huawei, a gigante de tecnologia, dos leilões do 5G, mas isso já passou. Novos mercados vão surgir naturalmente ao longo do tempo, como será particularmente o caso da África, que tende a ser, em alguns anos, uma das grandes fontes de demanda do agronegócio brasileiro.

Noticiário Tortuga – A entrada do Brasil na OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico) ajudaria nessa prospecção? O que falta para isso acontecer?
Maílson da Nóbrega – Não sei se a entrada na OCDE ajudaria nessa prospecção, mas a aceitação do Brasil no grupo pode contribuir para a abertura de mercado para produtos do agronegócio, inclusive pela eliminação de barreiras que existem contra a entrada desses produtos na Europa. Hoje, a aprovação do Brasil pela Organização depende essencialmente de atitudes do Governo em relação ao meio-ambiente. Essa parece ser a fonte da resistência de alguns países ao ingresso do Brasil no bloco.

Noticiário Tortuga – O que esperar do relacionamento do Brasil com os Estados Unidos de Joe Biden? O posicionamento a respeito da questão climática será decisivo?
Maílson da Nóbrega – Não vejo grandes problemas de relacionamento do Brasil com o governo Biden. Os americanos são pragmáticos e jamais irão desprezar a nossa importância no relacionamento comercial, financeiro e cultural. Prova disso é que o presidente Bolsonaro foi convidado a ser um dos chefes de estado que participaram da Conferência do Clima que aconteceu em abril, sob a liderança dos Estados Unidos. Claro, a questão climática será crucial para reforçar os laços que unem o Brasil aos Estados Unidos. Esta será uma questão à qual o governo Biden dará atenção relevante, a meu ver.

Noticiário Tortuga – Como o sr. avalia a utilização de tecnologias, principalmente ligadas à nutrição animal, para o aumento da produtividade e o crescimento sustentável do setor?
Maílson da Nóbrega – Elas são fundamentais. Não é segredo que o êxito da agropecuária brasileira está associado indelevelmente ao avanço tecnológico dos últimos quase cinquenta anos. O trabalho da Embrapa, de centros de pesquisa de estados e de universidade e, mais recentemente, de empresas multinacionais, responde em grande parte pelo êxito do agronegócio. Não por acaso, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, 94% do crescimento do setor nas últimas três décadas se explicam por ganhos de produtividade. Claro, a qualidade do produtor que migrou do Sul e do Sudeste para desbravar e explorar novas áreas do Centro- Oeste e do Nordeste teve participação decisiva na melhoria da eficiência, mas dificilmente isso teria ocorrido sem o concurso da pesquisa e da tecnologia geradas com esse esforço.

Noticiário Tortuga – Para terminar, produtividade é a palavra de ordem para o sucesso?
Maílson da Nóbrega – A produtividade é o principal fator de geração de renda e riqueza de um país. Grande parte da explicação do desempenho medíocre da economia brasileira nas últimas décadas está na quase estagnação da produtividade. Entre os anos 1950 e 1980, período de maior crescimento da economia brasileira, a produtividade cresceu em média 4,2% ano. Nas três décadas seguintes, caracterizadas pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações e na intervenção estatal ditada pelas ideias do nacional-desenvolvimentismo, a média de ganhos de produtividade foi de apenas 0,7% ao ano, ou seja, um sétimo do período anterior. De lá para cá, a agropecuária tem sido praticamente o único setor a exibir ganhos consistentes de produtividade. Não há dúvida, o Brasil não se livrará da armadilha do baixo crescimento sem ações para elevar a produtividade de todos os setores. Dentre elas, as mais importantes são a Reforma Tributária – para colocar fim ao manicômio da tributação do consumo –, os investimentos em infraestrutura, para melhorar a operação da logística, e os avanços necessários na educação.

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