Lygia Pimentel: Boa gestão é a chave para o futuro do pecuarista

Ter em mãos o diagnóstico econômico e analisar os custos, e não apenas os preços, são estratégias para o sucesso da atividade nas fazendas

Mylene Abud

Nascida em uma família de produtores rurais com foco em pecuária de corte, Lygia Pimentel se graduou em Medicina Veterinária e Ciências Econômicas e deu início a uma carreira promissora no mercado financeiro. Trabalhou em empresas como a XP Investimentos e a Scot Consultoria e percebeu uma grande oportunidade para aliar suas experiências, aproximando dois ambientes diferentes, mas complementares: o setor agropecuário e o mercado de capitais. Com este objetivo, fundou, em 2011, a Agrifatto, empresa de consultoria dedicada à inteligência de mercado aplicada.

Com vasta experiência no setor, Lygia é categórica ao dizer que um bom gerenciamento é chave para as fazendas de sucesso. “Sem gestão, aos poucos o negócio vai sendo consumido pela quebra de margens. E quando o pecuarista perceber, isso já aconteceu e vai compensar mais arrendar a área para soja ou para pasto do que produzir. Aí ele sai da atividade”, afirma a consultora, que também é professora na B3 e na Saint Paul Escola de Negócios, além de colunista da Forbes Agro.

Responsável pela elaboração e implantação de projetos de controle de risco de preços em algumas das maiores propriedades pecuárias do País, ela alerta para o risco de os produtores considerarem apenas o preço na tomada de decisão, e não o custo. “O grande desafio da indústria é o desembolso e, quanto menor o custo da unidade produzida, mais fácil para pagar a conta”, assegura Lygia Pimentel na entrevista que você confere a seguir.

Noticiário Tortuga – Nestes últimos anos desafiadores, o agro Brasil foi um dos poucos setores que cresceu e impulsionou o PIB. Como avalia o atual momento da pecuária no País?
Lygia Pimentel – Estamos saindo de uma fase de alta do ciclo pecuário, em que o produtor aumentou as suas margens pela falta do boi gordo para o abate, o que faz os preços subirem. Isso aconteceu no mesmo momento em que a China entrou comprando muito, o que impulsionou ainda mais os preços. De 2019 a 2021, nós seguramos as fêmeas, então, ampliamos a capacidade produtiva do rebanho brasileiro. Ou seja, agora é o momento de mais oferta, em que os preços ou irão caminhar de lado ou cair em termos de reais. Ao mesmo tempo em que é uma fase mais desafiadora para as margens imediatas, é de grande oportunidade para comprar reposição, a relação de troca melhorou. Então, estamos em um momento muito bom para o pecuarista que souber observar o mercado e estiver interessado em investir pensando em médio e longo prazo.

Noticiário Tortuga – Seu livro “Administre o risco de preços pecuários: um guia prático para o hedge de sucesso” traz estratégias para o pecuarista proteger o negócio. Quais os principais riscos da atividade?
Lygia Pimentel – O principal risco é a quebra de margens e o investimento malfeito, a tecnologia mal escolhida e a persistência no erro. E fica mais fácil errar quando a gente não tem diagnóstico econômico, quando não sabe qual é o custo de produção. Conhecer os números da propriedade faz com que a gente identifique rapidamente os erros. Hoje, o primeiro grande desafio é reduzir o reembolso. O segundo, é conseguir um bom ganho médio de peso diário. E o terceiro é vender bem. E, nesse sentido, o livro ensina como reduzir o risco de preços, porque eliminá-los é impossível.

Noticiário Tortuga – Optar pela avaliação dos preços, e não dos custos de produção, é um desses riscos?
Lygia Pimentel – Sim, um grande risco é olhar preço, e não custo. Como falei, o grande desafio da indústria é o desembolso e, quanto menor o custo da unidade produzida, mais fácil para pagar a conta. Muitas vezes, o pecuarista perde tempo se preocupando com o preço final e esquece o custo de produção. Então, a gente precisa focar sempre em custo, olhar o preço e projetar uma margem. E aí tentar proteger essa margem.

Noticiário Tortuga – Nesse sentido, qual a importância de uma boa gestão para o sucesso dos negócios?
Lygia Pimentel – Uma boa gestão é chave para o futuro do pecuarista, para que ele se mantenha na atividade. Eu costumo dizer que uma fazenda tem três destinos possíveis: ela pode ser vendida, o que não necessariamente é um mau negócio; pode ser dada, e eu, como mãe de quatro filhos, sempre falo que a gente nunca quer deixar uma herança ruim para os nossos descendentes; ou quebrar. Então, para que a fazenda não quebre e tenha algum dos outros dois destinos, é preciso ter hoje uma boa gestão. Sem gestão, aos poucos o negócio vai sendo consumido pela quebra de margens. Quando o pecuarista perceber, isso já aconteceu e vai compensar mais arrendar a área para soja ou para pasto do que produzir. Aí ele sai da atividade.

Noticiário Tortuga – A DSM lançou o P@go – Tortuga com arroba, modalidade de pagamento de produtos de nutrição animal indexada em arrobas, e seu livro também traz dicas para um hedge de sucesso. Quais as vantagens dessas ferramentas para os pecuaristas?
Lygia Pimentel – As ferramentas de gestão de risco de preços são importantes para proteger as margens, porque lucro pequeno não mata ninguém. O prejuízo é que mata. Por isso, não dá para arriscar. Como falei antes, não tem maneira de garantir o preço, mas dá para reduzir o risco e o P@go entra no rol das ferramentas disponíveis para que o produtor reduza o risco de preços que pode interferir na sua margem diretamente.

Noticiário Tortuga – Quais as expectativas para o setor no mercado interno para o segundo semestre?
Lygia Pimentel – O mercado interno começou a sentir agora os efeitos da deflação. O nível de emprego tem melhorado, então, possivelmente, ele vai acelerar um pouco a partir de setembro. A expectativa para o mercado doméstico é de um início de aceleração a partir de setembro, o que é muito bom, com ápice no final no ano, no início de dezembro.

Noticiário Tortuga – No mercado externo, a China continua sendo o nosso principal comprador. Como estreitar as relações com esse país e, ainda, prospectar novos mercados para evitar a dependência?
Lygia Pimentel – Acho que nossa relação com a China está indo muito bem. Há até uma estatística recente que diz que as notícias sobre o Brasil dentro da China são predominantemente positivas. Temos uma boa relação com o país que, hoje, compra aproximadamente 64% de tudo o que a gente exporta, o que é muito. Então, precisaríamos abrir novos mercados de valor agregado, como Japão e Coreia. Neste ano, abrimos mercado com o Canadá, o que é muito bom. Mas penso que o grande amortecedor para essa dependência com a China seria o nosso próprio mercado interno, que tende a acelerar agora e precisa retornar ao consumo per capita anterior. A retomada dos empregos deve ser um dos principais motores para aplacarmos a participação da China. Não só das exportações, mas de toda a produção brasileira, a partir do nosso mercado doméstico. É muito mais fácil e menos burocrático do que esperarmos a ampliação de novos mercados, que são muito bem-vindos e necessários. Mas tudo faz parte de um processo de diluição dessa influência da China e desenvolver nosso mercado doméstico está entre os grandes motores dessa diluição, já que o Brasil hoje ainda fica com cerca de 70% do que produz.

Noticiário Tortuga – Seu nome está na lista das “100 Mulheres Poderosas do Agro” da Forbes e, em outubro, será realizada a 7ª edição do Congresso das Mulheres do Agro. Qual a importância dessas discussões e da liderança feminina para o setor?
Lygia Pimentel – O espaço para as mulheres no agronegócio sempre existiu, eu mesma estou no agro há 15 anos e nunca me senti mais ou menos desafiada por ser mulher. Eu me senti mais desafiada por ser novata quando era mais jovem, e acho que isso é normal tanto para homens como para mulheres. As mulheres têm desafios, como se dividir entre o trabalho e a maternidade. Mas, com esforço, dá certo. Eu digo isso como mãe de quatro filhos, empresária, produtora rural. A gente consegue fazer bem aquilo que ama e tudo a que se dedica.  Lembrando que a presença feminina no agro sofre desvantagem em boa parte porque 70% dos produtores são médios e pequenos e a atividade exige um grande esforço físico: curar bezerro, laçar, vacinar, desentupir roda d´água, cavar poço. E essas são atividades em que os homens normalmente levam vantagem porque têm mais aptidão física. Por isso, há essa preponderância masculina no campo. Mas a liderança feminina é super bem-vista e super bem-vinda, e tem outros atributos em que são melhores que os homens.  A mulher é cuidadosa, é boa gestora de pessoas porque ela tem um lado muito humano que faz com que tenha um grande espaço na atividade. Basta querer e se dedicar.

Noticiário Tortuga – Para terminar, qual o papel da nutrição animal e das tecnologias na pecuária moderna para intensificar a produção e preservar o meio ambiente?
L
ygia Pimentel – No Brasil, temos um código florestal que estabelece áreas de preservação, que são permanentes e inegociáveis, e áreas de produção, que precisam ser muito bem tratadas. A nutrição animal é essencial para reduzir custos, tornar mais eficiente a engorda, intensificar a produção, possibilitando produzir mais no mesmo espaço, e, muitas vezes, ceder a área de pastagem para outras culturas ou até mesmo para a regeneração de florestas, o que amplia a área de preservação brasileira. Sabemos que tem gente que não investe de maneira adequada na produção pecuária e acaba ficando sem receita e sem verba até mesmo para passar o correntão e limpar aquela área. E a vegetação nativa toma conta e aquilo vira mato de novo. E quando isso acontece, os ineficientes saem da atividade. Os eficientes ficam através de tecnologias e de nutrição animal de ponta para tornar a pecuária mais produtiva e a utilização dos recursos mais eficaz.

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