Produção regenerativa garantirá alimento de qualidade, preservação, aumento de biodiversidade e desenvolvimento humano
Mylene Abud
Nas últimas cinco décadas, a cadeia de leite do país caminhou a passos largos tanto em quantidade como em qualidade. Nesse período, a produção anual de oito bilhões de litros saltou para os 35 bilhões atuais, além de aumentar a disponibilidade do produto por habitante em quase 100 litros. E o principal motor desta evolução foi a elevação da produtividade, resultante principalmente da adoção de tecnologias e do empreendedorismo dos produtores brasileiros. A avaliação é do médico-veterinário e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Luiz Gustavo Ribeiro Pereira, que credita esse avanço ao aperfeiçoamento em áreas como melhoramento genético, reprodução, nutrição, qualidade do leite e saúde animal.
Segundo ele, melhorar a eficiência dos sistemas de produção é o principal desafio do setor. “Essa é a palavra-chave para que o produtor seja competitivo e crie as condições necessárias para se manter na atividade, independentemente de seu volume de produção”, fala, acrescentando que a eficiência precisa ser bioeconômica. “Além da questão econômica, esse conceito mais amplo envolve o bem-estar animal, a pegada hídrica, o uso de energia limpa, a eficiência alimentar e a redução no uso de antibióticos, dentre outros aspectos”, resume o professor Luiz Gustavo.
Doutor em Ciência Animal, com pesquisas voltadas às áreas de nutrição de ruminantes, sistemas sustentáveis e pecuária de precisão, ele é categórico ao afirmar que a sustentabilidade e a lucratividade caminham juntas. “Já estamos vendo a possibilidade de uma nova fase e a ciência vem mostrando a viabilidade do desenvolvimento e da adoção de sistemas regenerativos”, conta ele na entrevista que você confere a seguir.
Noticiário – Neste ano, a Embrapa completa 50 anos de história e a unidade voltada a Gado de Leite, 48 anos. Nesse período, o País passou de 8 bi/L de leite produzidos ao ano para 35 bi a.a. Na sua opinião, quais os principais fatores para esse crescimento?
Luiz Gustavo Pereira – A cadeia do leite avançou muito nessas cinco décadas e o principal fator desta evolução na produção foi a elevação da produtividade, resultado da adoção de tecnologias associada ao empreendedorismo dos produtores de leite brasileiros. Esse avanço passa por várias áreas: melhoramento genético, reprodução, nutrição, qualidade do leite e saúde animal, dentre outras. Graças a esses avanços, foi possível aumentar a disponibilidade de leite por habitante em quase 100 litros, passando de 75 para 170 litros, com aumento da qualidade do produto e redução de seu preço ao consumidor.
Noticiário – Apesar dessa evolução, o sistema de produção de leite enfrenta atualmente grandes desafios. Quais os principais?
Luiz Gustavo Pereira – O principal desafio está relacionado à eficiência dos sistemas de produção. Essa é a palavra-chave para que o produtor seja competitivo e crie as condições necessárias para se manter na atividade, independentemente de seu volume de produção. Em uma atividade com margens cada vez mais apertadas, é fundamental o produtor conseguir ser eficiente no uso dos fatores de produção da atividade. Aqui é importante entender a eficiência não apenas pelo lado econômico ou produtivo, mas o que chamamos de eficiência bioeconômica. Além da questão econômica, esse conceito mais amplo envolve o bem-estar animal, a pegada hídrica, o uso de energia limpa, a eficiência alimentar e a redução no uso de antibióticos, dentre outros aspectos. Em resumo, o que se busca é produzir mais com menos recursos e insumos.
Noticiário – Quais os maiores gargalos para a produção leiteira?
Luiz Gustavo Pereira – Apesar dessa evolução pela qual a cadeia brasileira do leite passou nos últimos anos, ainda temos diversos gargalos para torná-la mais competitiva. Isso se deve à complexidade desta cadeia, que é uma das mais importantes para o Brasil em termos econômicos e sociais, mas está espalhada por quase todos os municípios do País. Um grande gargalo está relacionado justamente às dificuldades para a adoção de tecnologias que aumentam a eficiência dos sistemas, que tem levado à saída de muitos produtores da atividade. Essas dificuldades derivam de vários fatores estruturais: assistência técnica deficiente, margens de lucro limitadas, falta de recursos e crédito para investimentos e escassez de mão de obra qualificada.
Noticiário – Como os produtores podem se preparar para uma pecuária leiteira de precisão? A tecnologia é fundamental?
Luiz Gustavo Pereira – O conceito “Pecuária de Precisão” está mais associado à estratégia gerencial do que à adoção de tecnologia em si. O caminho para a adoção é medir para gerenciar a variabilidade individual (animal), temporal e espacial nos sistemas de produção. Nos dias de hoje, as tecnologias disponíveis facilitam muito a obtenção e o processamento de dados, e devem direcionar a tomada de decisão com foco em melhorias no desempenho econômico, social e ambiental da fazenda leiteira. Ou seja, o despertar da consciência para a necessidade de gerar dados que direcionem a tomada de decisão, amparado pelas tecnologias disponíveis, é a forma dos produtores se prepararem para a pecuária leiteira de precisão. A disponibilidade de sensores, sistemas de visão computacional, da automação de processos, como a ordenha robótica, uso de computação em nuvem, e o emprego de inteligência artificial tem mudado a forma de produzirmos alimentos, melhorando o bem-estar humano e animal.
Noticiário – Qual a importância do manejo e da conservação das forragens para a lucratividade e o bem-estar animal?
Luiz Gustavo Pereira – No cinturão tropical, a sazonalidade causada pelas estações e as especificidades das forragens tropicais exigem práticas de manejo e conservação adequadas. Essas são condicionantes para a lucratividade da atividade leiteira. A alimentação é o item que mais onera o custo de produção; o planejamento alimentar que garanta o manejo adequado das pastagens e a suplementação alimentar com alimentos conservados de forma adequada garantem a produção de leite, o crescimento dos animais jovens e a saúde do rebanho, assim, estão conectados diretamente com o bem-estar animal e a rentabilidade da atividade.
Noticiário – E das tecnologias de suplementação nutricional?
Luiz Gustavo Pereira – Temos observado grandes avanços nos últimos anos quanto às tecnologias de suplementação nutricional. Esses avanços vão desde a eficiência agronômica para a produção de alimentos, as práticas de processamento e conservação dos alimentos até a disponibilidade de aditivos para ajustes finos da dieta. As perspectivas com a adoção de bioinsumos e biotecnologia em suplementos é animadora e estão contribuindo para a melhoria da eficiência bioeconômica da atividade leiteira.
Noticiário – Falando em sustentabilidade, qual a importância do uso de soluções como o Bovaer, aditivo criado especialmente para reduzir as emissões de metano dos bovinos?
Luiz Gustavo Pereira – A sustentabilidade é essencial! Condicionante para a permanência na atividade! Já estamos vendo a possibilidade de uma nova fase e a ciência vem mostrando a possibilidade do desenvolvimento e da adoção de sistemas regenerativos. A conexão do sistema de produção à natureza é a chave para a produção regenerativa, garantindo alimento de qualidade, preservação, aumento de biodiversidade e desenvolvimento humano. O despertar dessa consciência regenerativa tem sido impulsionado pelos avanços do conhecimento em bioprocessos que tem permitido o desenvolvimento de práticas de manejo, bioinsumos e tecnologias voltadas à redução do impacto das atividades antrópicas no meio ambiente. Os aditivos redutores de emissões de metano entérico exemplificam essa evolução. Na questão metano entérico, a estratégia mais importante é a melhoria da eficiência de produção do leite, fazendas com bons índices zootécnicos e com animais saudáveis produzem leite com as menores pegadas de carbono! Lucratividade e sustentabilidade caminham juntas. Os aditivos, como o Bovaer, passam a ser estratégicos para fazendas eficientes, contribuindo com a redução aproximada de 30% das emissões de metano entérico, o que impacta com a diminuição de 10% a 15% na pegada de carbono do leite.
Noticiário – Para fechar, quais as perspectivas para o futuro do setor? Qual a chave para a pecuária leiteira se tornar a cada dia mais produtiva, eficiente e sustentável?
Luiz Gustavo Pereira – As perspectivas dependem de nossas escolhas. Os sistemas convencionais baseados em extração e perda de biodiversidade produzem alimentos a custos sociais e ambientais não mais toleráveis. Como fala Ailton KrenaK, ‘Não podemos ser ingênuos em achar que a destruição da natureza não vai nos afetar’. Sistemas sustentáveis já são essenciais para a permanência na atividade leiteira. Segundo Gus Speth, ‘sustentabilidade significa viver dentro dos limites da capacidade da terra de sustentar a vida’. A intenção regenerativa parece ser um caminho promissor, mas desafiante, pois requer ação proativa em detrimento da apatia e demandará esforço em pesquisa para acelerar essa transição. Precisamos incluir em nosso modelo de progresso (evolução) o valor intrínseco de todas as formas de vida. As condições brasileiras de biodiversidade, edafoclimáticas, hídrica e de conhecimento científico são únicas, mas não podemos resolver os problemas ambientais com o mesmo pensamento que os criou. A reconexão com a natureza pode ser a chave para a pecuária leiteira do futuro!