Do A do abacate ao Z do zebu, é tudo riqueza para a gente crescer
Mylene Abud
Eleito pela revista IstoÉ Dinheiro Rural como uma das 100 personalidades mais influentes do agribusiness, o jornalista e publicitário José Luiz Tejon Megido é uma das maiores autoridades brasileiras nas áreas de marketing em agronegócio, gestão de vendas, liderança e motivação.
Doutor em Educação pela UDE/Uruguai, mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie, administrador com especializações nas renomadas instituições americanas Harvard, Pace University e MIT e em liderança no INSEAD da França, é uma das principais vozes em prol da melhoria da comunicação do Agro Brasil – internamente e globalmente.
“A gente não entende nada de estratégia de comunicação. E não é por falta de profissionais capacitados. Temos publicitários que ganham prêmios internacionais. Existem países que fazem comunicação inteligente do seu agro, como a Nova Zelândia com o leite; a Colômbia, com o café; EUA, Itália e Austrália com a carne; França com o terroir. Esse pessoal entende que é necessário chegar ao cérebro humano através do coração”, exemplifica Tejon, ressaltando que temos oportunidades gigantescas a serem exploradas. “Parece que o brasileiro se contenta em fazer a melhor carne do mundo, mas não dá a mínima para que isso seja percebido. Temos a banana mais gostosa, a melhor soja, e parece que tanto faz”, fala ele, que aposta na organização da sociedade civil, ao lado de entidades governamentais, para a consolidação da Marca Brasil no Agro mundial.
Esse “realista esperançoso”, que concilia as carreiras de acadêmico, consultor, conferencista, conselheiro, articulista de diversas mídias, autor e coautor de 35 livros, é um entusiasta das riquezas naturais deste país que tem os mais diversos biomas, dos Pampas até a Amazônia, passando pelo Cerrado. “O Brasil é o país mais rico do mundo, só falta tangibilizar. Meu sonho é que, até 2030, o Brasil dobre de tamanho no agronegócio, antes, dentro e no pós-porteira, porque é a forma que nós temos de atender com sustentabilidade às demandas planetárias, e que vai impactar o crescimento do PIB brasileiro, que não pode ficar crescendo de 2% a 3% ao ano. Tem que crescer de 7% a 8% ao ano, temos que chegar a um PIB de quatro a cinco trilhões de dólares em 10 anos. Do A do abacate ao Z do zebu, é tudo riqueza para a gente crescer.
Noticiário Tortuga – Com diversas formações na área de Educação, Artes, Comunicações e Marketing, o que o levou a se interessar pelo agronegócio?
José Luiz Tejon – Foi totalmente por acaso, não tinha interesse nenhum. Era estagiário em uma agência de propaganda aqui em São Paulo, em 1976, e apareceu uma campanha para a Jacto Máquinas Agrícolas. Ninguém quis fazer, naquela época queriam mais trabalhar com produtos de bens e consumo, mais urbanos, e me passaram o trabalho. E eu não entendia nada do ramo. Visitei a fábrica, em Pompeia (SP), e fiz uma campanha que eles gostaram muito. Coincidentemente, era perto das Olimpíadas (de Montreal, no Canadá) e criei uma propaganda colocando que a agricultura era a equivalente a uma Olimpíada, em que as métricas tinham que ser sempre superiores às anteriores. Logo em seguida, o gerente de marketing da empresa saiu e eles me convidaram para ir trabalhar lá. Depois, fui para a Agroceres e, daí para frente, foi muito estudo, veio uma carreira. E mesmo estando em empresas que não eram do ramo agrícola, sempre estive envolvido com a Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), o Pensa, em que foi criado o programa de estudos agroindustrial pelo prof. Decio Zylbersztajn. Aliás, a ABMRA tinha um grande homem da Tortuga na diretoria, o Guido Gatta, criador de uma extraordinária força de representantes de vendas porteira a porteira, pecuarista a pecuarista, levando tecnologias pioneiras ao campo. Na verdade, quando iniciamos, a associação era apenas ABMR, pois a palavra agronegócio não existia no Brasil. O responsável por esse conceito no País foi o Ney Bittencourt de Araújo, da Agroceres, termo que se consolidou com o surgimento da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), fundada em 2000.
Noticiário Tortuga – Como avalia o momento atual do País para o setor agropecuário?
José Luiz Tejon – É a questão do copo meio cheio e meio vazio. Meio cheio porque, ao longo dos últimos 40 anos, desenvolvemos tecnologia, conhecimento e empreendedorismo de agricultores que migraram do Sul e do Sudeste para o Brasil Central, o Nordeste e o Norte, e criamos uma competência de produção de alimentos, de energia e de fibras onde antigamente não se podia fazer nada. O símbolo do Alysson Paulinelli (ex-ministro da Agricultura) candidato ao prêmio Nobel da Paz é muito significativo. Não esquecendo das cooperativas brasileiras, que cresceram e são de uma responsabilidade gigantesca. Dos empreendedores, que acessaram mercados internacionais, em setores como açúcar, álcool, grãos. Não me esqueço da primeira exportação de milho no Brasil, feita pela Coamo, de Campo Mourão. O setor de aves e suínos, com marcas que ficaram em nossas mentes para sempre. A carne, com a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes). O algodão, que praticamente destruímos e reconstruímos. E todo esse mundo animal em que a DSM atua, em uma evolução de conhecimentos, tecnologia da pecuária bovina e de leite, com exemplos muito positivos. E a agricultura de baixo carbono, a Integração Lavoura-Pecuária. Esses são os lados brasileiros muito positivos, tecnologia tropical, empreendedorismo de pecuaristas, agricultores, cooperativas, empresas.
Por outro lado, temos oportunidades gigantescas a serem exploradas e coisas que ficaram para trás e que precisamos recuperar urgentemente. Por exemplo, passamos a ser importadores de cacau, de borracha, continuamos dependentes do trigo. A nossa hortifruticultura tem um potencial imenso, tanto no consumo interno, pois o consumo per capita é menos que a metade do que a Organização Mundial da Saúde recomenda de frutas e legumes, além de um potencial imenso de acesso a mercados internacionais.
E no setor de proteína animal, apesar de termos o maior rebanho comercial do mundo, sempre lembro aos pecuaristas de corte que é preciso resgatar um fundamento antigo, do ponto de vista estratégico e de marketing: para o bem da saúde humana, era fundamental comer um “bifinho” todo dia. Havia até uma campanha publicitária que dizia “Danoninho vale por um bifinho”. E não eram cortes mais nobres, era o que podia fazer. Comíamos bife todos os dias e, domingo, frango com macarrão. E passamos a ter uma inversão desse hábito de consumo. Por isso, deixo um alerta. Progredimos muito em tecnologia e qualidade, mas não na ótica do consumo. É preciso resgatar uma ação educativa para o consumo consciente da carne bovina, que é saudável e ajuda a manter um bom peso. É preciso olhar para isso no pós-porteira.
Noticiário Tortuga – No congresso deste ano da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, disse que o Brasil pode ser o principal player nos investimentos verdes. O sr. concorda com a afirmação?
José Luiz Tejon – Sem dúvida. O Brasil é um espetáculo, o que atrapalha são alguns péssimos brasileiros no comando, na elite do País. Já andei por diversos lugares do mundo e o que eu mais amo é poder voltar para o Brasil. Temos problemas, coisas para consertar, mas somos de uma extraordinária riqueza. Para onde a gente olha, vê oportunidades vicejantes. É preciso colocar a lei em cima dessa meia dúzia de pessoas que cometem crime ambiental, investigar, botar na cadeia, e assumir um discurso internacional com as realidades que nós temos. Somos uma potência agroambiental. Um país que tem os biomas que nós temos, dos Pampas até a Amazonia, imagine o valor disso trabalhado com estratégia, com inteligência. Imagine o turismo educativo, trazendo jovens do mundo inteiro para participar de atividades agrossustentáveis na Amazônia, no Cerrado. O Brasil é o país mais rico do mundo, só falta tangibilizar. Meu sonho é que, até 2030, o País dobre de tamanho no agronegócio, antes, dentro e no pós-porteira, porque é a forma que nós temos de atender com sustentabilidade às demandas planetárias, e que vai impactar o crescimento do PIB brasileiro, que não pode ficar crescendo de 2% a 3% ao ano. Tem que crescer de 7% a 8% ao ano, temos que chegar a um PIB de quatro a cinco trilhões de dólares em 10 anos. Do A do abacate ao Z do zebu, é tudo riqueza para a gente crescer.
Noticiário Tortuga – Na ocasião, a ministra também destacou a importância da ESG (meio ambiente, responsabilidade social e governança) para o setor. Qual o caminho para que o setor como um todo possa implantar essa estratégia?
José Luiz Tejon – ESG é gerenciar, governar, tendo em consideração as forças da natureza, com responsabilidade social. Nós não vamos crescer se tivermos brasileiros nas zonas de miséria e de pobreza. Precisa necessariamente desenvolver o agronegócio agroindustrial, gerador de empregos, como as cooperativas muito bem representam. A Aurora, por exemplo, é uma organização de R$ 35 bilhões de faturamento, com cem mil famílias envolvidas. Precisamos de agroindústrias muito bem conectadas aos pecuaristas. Sabemos que o lucro da pecuária está na competência do manejo. ESG é mais lucro em longo prazo, mas precisa ter a participação da cadeia produtiva como um todo, e não só dentro da porteira. É antes, dentro e depois, mais os frigoríficos, os supermercados, as tradings.
Noticiário Tortuga – Como o sr. avalia o uso de tecnologias ligadas à nutrição animal para o aumento da produtividade com sustentabilidade e a missão de contribuir para alimentar uma população mundial estimada em 9 bilhões de pessoas em 2050?
José Luiz Tejon – A nutrição de solo, de plantas e de animais é fundamental para ter animais mais saudáveis, mais resistentes e resilientes. Um animal bem nutrido e bem manejado é mais saudável e, consequentemente, mais lucrativo. E, ao mesmo tempo, você aumenta a produtividade. Está evidente que no mundo falta comida. Então, falta quantidade e qualidade. Pecuária bem nutrida e bem manejada significa mais produção com mais qualidade, e em menos área, com a integração lavoura-pecuária, é uma grande contribuição. Portanto, aumentar a produção para atender mais gente, com qualidade e uma capilaridade maior, com um aproveitamento muito mais inteligente, com menos terras e mais cuidado com a água, o meio ambiente. Onde isso é feito, vejo que o produtor está mais feliz e com mais lucro. A tecnologia está aí, tem que usar e ela só faz bem.
Noticiário Tortuga – Há vários movimentos em prol da melhoria da comunicação do agro Brasil e, dois anos atrás, no Seminário sobre Agronegócio e Diplomacia Ambiental promovido pela ABAG, o sr. comentou que o País tem um problema claro de reputação de emissor. Na sua opinião, o setor tem falhado nisso?
José Luiz Tejon – A gente não entende nada de estratégia de comunicação. E não é por falta de profissionais capacitados. Temos publicitários que ganham prêmios internacionais. Conheço agrônomos com grande visão de comunicação, mas isso é exceção à regra. A área da propaganda, que é milenar, exige estudos, mestrado, aplicação, experiência prática para que você compreenda por que, por exemplo, a Coca-Cola, que é uma empresa do agribusiness, fatura o equivalente a todo o valor bruto da produção agropecuária do Brasil. Estratégia espetacular de marketing. Existem países que fazem comunicação inteligente do seu agro, como a Nova Zelândia com o leite; a Colômbia, com o café; EUA, Itália e Austrália com a carne; França com o terroir. Esse pessoal entende que é necessário chegar ao cérebro humano através do coração. Você pode chamar de comunicação, de publicidade, é o reino da propaganda. Eu preciso entrar na alma dos seres humanos através do campo das percepções, e esse é o talento da propaganda.
Parece que o brasileiro se contenta em fazer a melhor carne do mundo, mas não dá a mínima para que isso seja percebido. Temos a banana mais gostosa, a melhor soja, e parece que tanto faz. E quando eu falo em reputação, você tem autoridade para falar em nome do agro brasileiro? Tem legitimidade para falar em nome da carne brasileira? Você até pode ter, mas como isso é percebido junto aos mercados consumidores? Não seria interessante debater quem deveria falar em nome dos produtos agrícolas brasileiros? E mais, tem as mídias. A sua mídia tem reputação de autoridade? Compreende que comunicação é uma indústria, como a química, a automobilística? E precisa reunir verba e inteligência publicitária e de propaganda para poder conversar com o planeta Terra.
Noticiário Tortuga – Como melhorar essa comunicação do campo para a cidade?
José Luiz Tejon – Detratores fazem parte do show, mas e os nossos fãs? Quem tem que falar de nós são os nossos fãs. Quem tem que defender o agricultor são os consumidores da cidade, e não os agricultores defendendo a si mesmos. Os educadores também têm que fazer isso. Os agricultores são o elo mais bonito do agro, o mais puro e o mais frágil, lidam com todos os fatores incontroláveis. Quem tem que defender os agricultores são os agentes do depois e do antes da fazenda.
Noticiário Tortuga – No exterior, o Brasil vem sendo acusado de não cuidar do meio ambiente. Como mudar essa imagem e mostrar um País que produz com sustentabilidade?
José Luiz Tejon – Lá fora, não temos valor percebido de marca, temos que criar. Precisamos entender que tem concorrência, tem detrator, mas tenho certeza de que o maior inimigo da comunicação do Brasil não é ninguém lá fora, somos nós mesmos. Por omissão, por entrar em brigas em que caberiam a fãs nos defenderem, e pela incompetência de uma gestão de longo prazo da comunicação brasileira positiva. Quem é que sabe que somos o maior país do mundo em programa de agricultura de baixo carbono? A gente faz um monte de coisas geniais e isso é destruído por meia dúzia de temas mal defendidos, mal trabalhados.
Noticiário Tortuga – Seu mais recente livro, “O poder do incômodo”, mostra que é preciso de um certo desassossego para transformar. Como o Brasil pode sair dessa zona de conforto e mostrar a potência que é, principalmente no Agro?
José Luiz Tejon – Falta uma ação inteligente, coordenada por alguns dos melhores publicitários brasileiros, feita pela sociedade civil organizada. Sem esperar o governo, como bem disse o ex-ministro Alysson Paulinelli. Então, é a sociedade civil organizada e o governo. Sem esperar um salvador da pátria. Um exemplo da reunião de várias organizações da sociedade civil é RenovaBio. Teve um chamamento de pessoas muito competentes da sociedade civil, da indústria, da iniciativa privada e de governo. Como disse o extraordinário escritor paraibano, Ariano Suassuna: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”.