Um case de sucesso, que une alta produtividade, tecnologia e respeito ao meio ambiente
Mylene Abud
Em 1973, o paulista Roque Quagliato deixou a cidade de Ourinhos, no interior do estado, e partiu para o município de Sapucaia, na região de Xinguara, a 600 quilômetros de Belém do Pará. Naquela época, o governo militar incentivava a ocupação da Amazônia e ele viu ali uma boa oportunidade. Mesmo sem infraestrutura nenhuma, ele conta que a pecuária no estado, que detém atualmente o segundo maior rebanho bovino do país, já começou com alto nível de qualidade. “Pela distância dos centros agropecuários do Brasil, não se podia pensar em trazer animais de baixo nível para cá. Se comprasse uma novilha ‘pé-duro’ como dizem, ninguém ia transportar, porque o frete ficaria até mais caro que o preço de compra. Então, quem veio para cá já começou com uma novilhada boa”, recorda sobre o início desafiador.
Em razão da ausência de estrutura, os fazendeiros pioneiros na região optaram pela compra de novilhas, e não de vacas. “Não havia frigorífico, não tinha nada, então precisava demorar para fazer o boi gordo”, relembra o pecuarista que, cinquenta anos depois, colhe os louros de uma história de sucesso à frente do Grupo Quagliato, formado por ele e pelos irmãos Fernando, Francisco e João Luiz. O segredo? Aumentar a produtividade com sustentabilidade.
“Nesses cinquenta anos, teve muita evolução na pecuária. Por exemplo, a Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) e a Transferência de Embriões (TE) trouxeram uma transformação enorme para a qualidade do rebanho brasileiro, uma rapidez muito grande no melhoramento genético. Antes, um touro cobria de 30 a 40 vacas numa estação de monta e, hoje, chega a cobrir mil vacas”, ressalta Roque Quagliato, que sempre foi um grande incentivador da utilização da tecnologia. “Se você não acompanhar, vai ficar para trás e ser atropelado”, afirma.
Manejo, nutrição e bem-estar animal
As soluções tecnológicas são aplicadas em todas as frentes de trabalho das propriedades, incluindo sanidade, manejo, bem-estar animal, nutrição e os sistema de produção do gado Nelore. “Trabalhamos com o ciclo completo, temos as fazendas que são de cria e recria de fêmeas e as de recria e engorda de machos”, informa o diretor de pecuária do Grupo Rio Vermelho, Luiz Roberto Hernandes. “Na estação de monta, que vai de outubro a fevereiro, com duração de aproximadamente 120 a 130 dias, realizamos IATF em 100% do rebanho. Utilizamos sêmen de touros provados, pinçando dentro da bateria das centrais aqueles que melhor atendem aos nossos interesses em melhoramento genético”, observa, acrescentando que as vacas e novilhas são divididas em lotes. “Procuramos sempre manter os lotes de 100 vacas paridas para fazer IATF ou até 100 novilhas nulíparas, primíparas, secundíparas, multíparas separados. Essas vacas recebem uma IATF e, depois, vão para repasse com um touro”, explica.
Além de usar animais das centrais, a propriedade também produz cerca de 250 touros anualmente, que compõem o plantel de gado PO do Grupo Quagliato. Todos participam do Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ) da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).
Ao fim da estação de monta, é realizado o diagnóstico e o descarte das vacas vazias. “Isso proporciona uma evolução rápida em ganho de fertilidade. Depois do desmame, separamos os machos e as fêmeas que vão para as fazendas de recria e engorda, e nas fazendas de cria ficam só as vacas prenhas que irão parir para o próximo ano”, fala Beto Hernandes, informando que os animais desmamam com média de peso de 230 kg (machos) e 220kg (fêmeas).
O rebanho é criado a pasto e os cuidados com a sanidade, o bem-estar e a alimentação são rigorosos. Há 22 anos, o Grupo Quagliato usa os produtos da marca Tortuga para a nutrição animal. “Acho que parceria é igual a amizade, você não escolhe. Você conhece, vai se familiarizando, vê os bons resultados e mantém a fidelidade. Não há dúvidas de que, se não houver uma nutrição bem-feita, balanceada, não se chega a bons resultados. Você ajeita a parte genética, mas, sem uma boa nutrição, não funciona. Hoje, com essa exigência do mercado internacional de abater o boi com 30 meses, isso só é possível se tiver um bom parceiro na área de nutrição. O bezerro é sequestrado, depois colocado em um pasto bom, bem mineralizado, ele fica lá seis meses, volta para o confinamento. E o animal que entrou na fazenda com oito meses, com mais 12 a 16 meses já vai para o abate”, destaca Roque Quagliato.
Outro ponto alto da fazenda se refere à condução do rebanho, realizada com base no manejo nada nas mãos, técnica que busca resgatar as relações de confiança entre humanos e bovinos. “Sempre nos preocupamos muito com o manejo dos animais, realizamos cursos e treinamentos para os funcionários, com certificado. Animais calmos se reproduzem melhor, engordam mais, não tem perigo de cutucar uma mula ou um vaqueiro. Com essa técnica, não tem gritaria, você conversa com o boi. Me dá uma dor quando vejo por aí um peão berrando, batendo com ferrão. Gado dócil é amigo daqueles que lidam com ele”, enfatiza o pecuarista.
Outro ponto importante para o grupo é o bem-estar de todos os colaboradores. As fazendas são equipadas com escolas para os anos iniciais, biblioteca, academia de ginástica e quadras esportivas. Por isso, há pouca rotação de funcionários. “Ninguém que vive mal vai trabalhar bem”, pontua.
Respeito ao meio ambiente
Referência na bovinocultura de corte no país e no mundo, Roque Quagliato, que ficou conhecido como o “Rei do Gado” nos anos 1990, conta que não apenas a pecuária evoluiu, mas os pecuaristas também. Principalmente em relação à sustentabilidade. “Antigamente, existia um programa do governo para a utilização das várzeas. Hoje, recuperamos as várzeas com espécies nativas. Mudou muito a conscientização do agropecuarista, do produtor rural com relação à preservação do meio ambiente. E com tecnologia, divisão de pastagens, nutrição, confinamento, temos atualmente muito mais cabeças de gado na mesma área do que tínhamos antes”, assegura.
Há cerca de 20 anos, as fazendas do grupo fazem a Integração Lavoura-Pecuária (ILP). “Queríamos melhorar a produtividade nas áreas abertas e preservar o meio ambiente. Quando você utiliza essa metodologia, consegue melhorar a fertilidade do solo, porque usa correção, calagem, adubo, planta lavoura. E os resíduos que ficam no decorrer do período servem para dar um up no seu pasto. Além disso, tentamos recuperar ao máximo as pastagens”, informa Beto Hernandes. Segundo ele, a lavoura e a pecuária formam uma dupla afinada. “Em 2011, fomos homenageados pelo Rally da Pecuária e a fazenda Santa Rosa foi eleita como uma das melhores do Brasil na categoria manejo de pastagem”, recorda.
“Existe uma imagem distorcida lá fora. Aqui, na Região Amazônica, temos essa conscientização. Mostramos que é possível ter pecuária em harmonia com o meio ambiente”, endossa Roque Quagliato.
Expansão dos negócios
Mesmo com as instabilidades econômicas, a baixa no preço da arroba e a falta de mais plantas habilitadas para a exportação na região, o Grupo Quagliato não para de investir e de se expandir. Recentemente, o conglomerado concretizou a comprou de parte das Fazendas do Grupo Agro SB, de Daniel Dantas, no Pará. A negociação é considerada a maior no mercado imobiliário rural dos últimos anos.
“As adversidades são sazonais, essa não foi a primeira e nem vai ser a última. Somos uma empresa com tradição na pecuária, continuamos acreditando na atividade, expandindo para gerar divisas, recursos, PIB e empregos. Somos uma família grande que trabalha junta. Com fé e perspicácia, não há crise que resista”, garante Roque Quagliato.