A qualidade da carne que chegará à mesa do consumidor daqui a três anos depende das decisões dos pecuaristas na estação de monta 2019/2020. O uso de tecnologias, como as fêmeas superprecoces e a IATF, pode garantir a excelência do produto final e a viabilidade econômica do negócio.
Com as 11 mil novilhas e vacas Nelore selecionadas e prontas para a estação de monta 2019/2020, a Fazenda Jatobá, localizada no sudoeste do Mato Grosso do Sul, trabalha com um olho no presente e outro no futuro. A meta para os próximos quatro anos é reduzir a idade das fêmeas à primeira inseminação e encurtar bem a estação de monta. Essas duas medidas são apontadas pelos especialistas como a chave para elevar de forma significativa a rentabilidade da pecuária de corte.
Em uma simulação feita pelo Departamento de Zootecnia da ESALQ/USP, esse acréscimo girou entre 30% e 40% (variação ligada ao tipo de animal utilizado – Nelore ou cruzado) nas fazendas que realizaram uma estação de monta de três meses e utilizaram a IATF (Inseminação Artificial por Tempo Fixo) em 100% do rebanho. “Esse aumento vem em decorrência de alguns fatores que envolvem ganho genético e sanidade. Quando há maior número de fêmeas prenhas logo no início da estação de monta, os partos ocorrerão em uma época mais favorável para a saúde do bezerro, que é o período seco, e haverá uma queda significativa nos casos de mortes desses animais. Além disso, eles serão desmamados bem mais pesados que aqueles que são gerados no final da estação de monta”, explica o professor do Departamento de Zootecnia da ESALQ/USP, Roberto Sartori Filho. Na balança, o ganho é grande. Um bezerro Nelore, fruto da primeira IATF, é 15 kg mais pesado que um oriundo de monta natural. Se for um bezerro F1, esse ganho é o dobro, ou seja, 30 kg a mais no peso do bezerro.
Seja em fazendas com grande produção, como a Jatobá, ou em propriedades menores, esses quilos a mais representam cifras relevantes para a saúde do negócio. Por isso, a tendência de trabalhar com fêmeas cada vez mais precoces na estação de monta tem sido adotada por muitas fazendas, com várias já utilizando as superprecoces, que são novilhotas de 14 meses. “A cada ano, estamos reduzindo um pouco a idade das novilhas ao primeiro parto. Nesta estação, a média de idade das fêmeas está entre 20 e 22 meses, mas pretendemos baixar ainda mais e, nos próximos anos, chegar aos 18 meses durante a estação de monta”, explica Hélio Boszczovski, médico-veterinário que, há 26 anos, presta serviços para a Jatobá.
Atrelado à queda da idade, ele espera reduzir o período de duração da estação de monta. Hoje, são quatro meses e meio de trabalho. Já houve uma queda de 15 dias nas últimas estações, mas a meta é cair ainda mais, chegando aos 100 dias. Como fazer isso? “Investindo em tecnologia, genética e capacitação da equipe”, assegura Hélio. Há seis anos a IATF é utilizada em 100% das fêmeas da fazenda, e o touro de repasse só entra no final, para cobrir as vacas que permaneceram vazias após três protocolos de IATF.
A inseminação no primeiro protocolo é feita com sêmen de touros Nelore provados para precocidade, dentre outras características. Dessa bezerrada que nasce da primeira IATF, 30% das bezerras são destinadas à reposição de matrizes do rebanho, já que as mães comprovaram serem mais férteis. Nos outros dois protocolos, a Jatobá usa somente sêmen de touros Aberdeen Angus para garantir bezerros para seu rebanho comercial. Fechando, vem o repasse com os touros Nelore. “Setenta por cento dos nascimentos ocorrem até outubro. Queremos passar para 85% nos próximos anos”, informa o médico-veterinário.
A Jatobá também é produtora de genética Nelore, no estado do Paraná, com um rebanho premiado nas principais exposições da raça. O criatório, fundado pelo pecuarista Carlos Seara Muradás, hoje segue sob o comando da filha, Betina Muradás. “Trabalhamos para aprimorar a produtividade da pecuária no Brasil como um todo, pensando nas diferentes realidades do País, com o objetivo de imprimir mais precocidade à produção de carne através da genética”, destaca Betina.
Índices de reprodução do Brasil
Apesar de o Brasil ser o maior produtor de carne do mundo e referência mundial em genética zebuína, fazendas que adotam a estação de monta e tecnologias de reprodução ainda não são a maioria. Muitas trabalham com baixos índices de fertilidade. Na média nacional, a primeira concepção da vaca acontece por volta dos três anos de idade, o que resulta em Idade ao Primeiro Parto (IPP) aos 4 anos. Comparando com as superprecoces, isso significa quase dois anos de prejuízos, acumulando gastos com a criação da fêmea e sem o retorno financeiro, ou seja, a produção de um bezerro por ano. “A falta de eficiência reprodutiva é o que mais prejudica a pecuária nacional. Temos anualmente 40 milhões de vacas vazias. É mais que todas as vacas vazias da Austrália, Argentina e do Uruguai juntas”, declara Ricardo Passos, diretor da Cria Fértil. Segundo ele, quando o produtor não faz a estação de monta e nem um balanço reprodutivo, é mais difícil identificar que o índice de vacas vazias no plantel está acima do aceitável. Muitos ainda retêm essas fêmeas para fazer a reposição do rebanho. “É o pior negócio. Vai produzir um bezerro com o dobro do valor da matriz que pare um bezerro por ano e não tem ganho adicional de produção de arrobas de crescimento, o que ocorre quando faz a reposição com novilhas jovens”, alerta Passos.
Essa situação leva ainda à ocupação desnecessária de áreas de pastagem. Segundo o professor do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Pietro Baruselli, 70% da área de pecuária no Brasil são destinadas ao sistema de cria. “Quando se tem uma IPP em torno de quatro anos, a propriedade acaba ocupando 41% desses 70% de pastos só para a recria das novilhas. Se diminuir para os dois anos a IPP, a necessidade de terra reduz para 21%, porque não terá mais no rebanho novilhas de dois e três anos ainda sendo recriadas. É um índice extremamente importante para melhorar a eficiência da produção por hectare da pecuária de corte”, garante Baruselli.
Virando o jogo com a
adoção da estação de monta
Pela estatística do uso da IATF no País, percebe-se que já existe muito produtor fazendo todas essas contas e trabalhando para baixar a IPP. Em 2018, as vendas de protocolos para IATF cresceram 16,1% em relação a 2017. Foram comercializados 13.259.690 protocolos no ano passado. Esses dados são indicativos de que 86% das inseminações no Brasil foram realizadas por IATF, demonstrando a consolidação dessa tecnologia.
Além disso, o número de doses de sêmen das raças de corte vendidas em 2018 foi de 9.622.282, um crescimento de 19,2% na comparação com 2017, segundo dados da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (ASBIA). A expectativa da entidade é superar esses números em 2019 já que, no primeiro semestre, houve elevação de 27,9%. Do total comercializado, 85% das doses de sêmen são usadas para IATF. Considerada a tecnologia voltada para reprodução mais moderna do momento, a IATF permite trabalhar as fêmeas mais cedo no pós-parto. Trinta dias depois do parto já é possível fazer o protocolo e inseminar com possibilidade de concepção de 50% a 60% na primeira concepção.
Para as fazendas que ainda não fazem parte desse grupo de investidores em genética, mas quer adotar a estação de monta, a dica é começar com um período um pouco mais longo. “No primeiro ano, pode-se adotar uma estação de monta de seis meses, depois, vai-se reduzindo um mês por ano, até chegar a uma estação de três meses”, orienta o professor Sartori Filho.
Segundo ele, o aprimoramento dos protocolos de IATF aliado ao melhoramento genético e à nutrição adequada levará futuramente a um encurtamento maior da estação de monta. “Esperamos chegar a 42 dias de estação, com três protocolos de IATF. Isso beneficiará quem insemina com Nelore, pois a gestação da raça é mais longa, de 293 dias, restando pouco tempo para a vaca emprenhar depois que pariu. Se a estação de monta não for mais curta, as vacas que emprenham ao final desse período não estarão aptas a emprenhar novamente na próxima estação e produzir o bezerro do cedo [nascidos das vacas que emprenharam no início da estação de monta]”, explica Sartori Filho.
O bezerro do cedo é considerado um dos fatores que mais interfere no resultado de uma cria, podendo garantir uma arroba a mais do que o bezerro do tarde. Mas, para ter mais bezerros do cedo, dois fatores são importantes. Um deles é a nutrição, pois a fertilidade da fêmea está ligada ao peso. Como dizem, o cio entra pela boca. Por isso, a estação de monta deve ser realizada na época do ano com maior disponibilidade de forragem para as fêmeas, ou seja, no período mais chuvoso.
O peso ideal para as novilhas entrarem na estação de monta é de 300 kg. Para chegar a esse peso, pode-se oferecer uma suplementação. Na fazenda Jabotá, as fêmeas recebem o ano todo o suplemento mineral Fosbovi Reprodução. Elas ficam em pasto de braquiária e panicum e o sistema de Integração Lavoura-Pecuária garante pasto de qualidade o ano todo. “Assim que colhemos a soja, entramos com o pasto de inverno na área. Temos, também, o plantio de milho safrinha”, explica o médico-veterinário da Jatobá, acrescentando que, em anos atípicos em relação ao clima, como 2019, a nutrição foi reforçada no período mais seco com uma suplementação proteico-energética. As demais categorias do rebanho também são suplementadas de acordo com produtos específicos para as necessidades de cada uma.
O zootecnista e assistente técnico comercial da DSM, Rafael Augusto França, esclarece que é preciso ficar atento ao escore corporal das fêmeas no período da seca por conta da baixa oferta de pasto. A queda na condição corporal influencia diretamente o prolongamento do anestro pós-parto, atrasando a ciclicidade, sendo um entrave para o encurtamento da duração da mesma e prejudicando os resultados da taxa de prenhez. “Uma opção de manejo nutricional no inverno, para evitar a perda de peso desses animais que irão para a estação de monta, é o sistema de sequestro de vaca. O animal é retirado do pasto e recebe volumoso no cocho”, ensina França.
As primíparas são as mais suscetíveis à queda na condição corporal, caso não tenham suas necessidades nutricionais supridas. A dieta para estes animais no pós-parto deve, além de atender aos requerimentos da mantença e da primeira lactação, atender aos requisitos finais de crescimento.
Estratégias para as
fêmeas superprecoces
Esta é uma categoria que pode melhorar a rentabilidade da pecuária de corte, mas exige atenção redobrada para alcançar o resultado desejado. A nutrição precisa ser diferenciada tanto quando estas entram pela primeira vez em uma estação de monta quanto no pós-parto. Segundo França, o protocolo nutricional deve começar quando elas são ainda bezerras. O Ganho Médio Diário (GMD) deve ser de 600 g/dia, do nascimento até a estação de monta. Para isso, é preciso ter pasto em quantidade e qualidade, fornecer creep feeding para as bezerras e, após a desmama, uma suplementação proteica tanto no período da seca quanto das águas, mantendo na fase de recria.
O professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP Botucatu, José Luiz Moraes Vasconcelos, reforça que o peso no início do protocolo de indução nas superprecoces é o mais importante. “Esta é a categoria em que o escore é menos importante. Elas precisam ter o peso adequado para responder bem ao protocolo”, garante o professor Zequinha.
Para ter sucesso no uso das superprecoces, o professor Pietro Baruselli reforça que é preciso utilizar bastante tecnologia, tanto na parte nutricional quanto na genética, sanidade e inseminação. Um cuidado necessário é aplicar IATF nas fêmeas mais jovens, pois, em decorrência da pouca idade, são mais difíceis de ciclar. “É preciso, também, utilizar protocolos adequados para esta categoria. Não pode ter excesso de progesterona porque são animais pequenos e que estão começando a se desenvolver”, orienta Pietro Baruselli, que trabalhou no desenvolvimento de um dispositivo intravaginal específico para as fêmeas superprecoces, pois o implante de tamanho normal causa desconforto a elas. Além disso, nas pesquisas de ingestão controlada, verificou-se que, quando colocava-se o dispositivo tradicional, havia uma diminuição da ingestão de alimentos. De tamanho menor, o dispositivo intravaginal para as superprecoces tem quantidades de hormônio inferiores ao modelo tradicional, permitindo melhores resultados de prenhez ao final da estação de monta.
Nesta categoria, reemprenhar é outro desafio. Como vai parir ainda muito jovem, aos dois anos, deve receber nutrição diferenciada, senão o esforço que o produtor fez para ter fêmeas superprecoces na estação de monta fica perdido.
Vale lembrar que a nutrição de uma novilha ou vaca prenhe afeta não só a fertilidade desses animais, mas todo o desenvolvimento futuro do bezerro. O embrião gerado por uma mãe mal nutrida pode ter comprometida a formação dos ovários ou dos testículos, da musculatura e da qualidade da carcaça na hora do abate.
As fêmeas superprecoces também necessitam de um bom manejo sanitário. Como elas não têm boa imunidade são mais suscetíveis às enfermidades e precisam ser vacinadas.
Investimentos em genética
para precocidade
Na equação da pecuária, a genética tem um peso grande. Por isso, quem pretende reduzir a duração da estação de monta e trabalhar com fêmeas precoces, precisa buscar animais comprovadamente precoces. A precocidade é um componente genético de alta herdabilidade. Segundo o diretor da Cria Fértil, Ricardo Passos, no momento do acasalamento, deve-se priorizar touros com alta eficiência reprodutiva, bom desempenho de ganho de peso, habilidade materna e conversão alimentar. Para quem pretende trabalhar com fêmeas superprecoces, é necessário usar touros com DEP para prenhez aos 14 meses.
Para esta categoria, é preciso levar em conta a facilidade de parto, evitando inseminar as novilhotas com genética de touros que produzem bezerros grandes ao nascimento.
Passos orienta fazer um planejamento genético antes da estação de monta, levando em conta o objetivo da fazenda e as características de maior importância no impacto da produtividade do rebanho. Com base nessa definição preliminar, parte-se para o ranqueamento dos melhores touros para atender a cada rebanho. A Cria Fértil, por exemplo, utiliza um software para fazer essa etapa em cada fazenda assistida pela empresa.
Mesmo nas fazendas que ainda não estão preparadas para trabalhar com as superprecoces, Passos recomenda usar genética para precocidade. “O dia em que o produtor decidir adotar a superprecoce, já terá suporte genético. Enquanto isso, terá outros ganhos, como maior número de fêmeas aptas para serem usadas na estação de monta e aumento da taxa de prenhez. Adotar essa tecnologia exige um fluxo de caixa para aumentar o suporte nutricional e manter a suplementação da desmama até a nova concepção como primípara, mas este é um investimento que vale a pena”, explica Passos. Ele lembra que a precocidade é uma meta a ser perseguida, mas não se pode abrir mão do desempenho animal. Afinal, é o ganho de peso que paga as contas.
Outra dica é planejar a estação de monta com antecedência. A prioridade é fazer a pesagem das novilhas de 24 meses em maio e definir o plano nutricional da recria. “No início da estação de monta, fazemos a pesagem e a avaliação de ciclicidade. Em seguida, definimos a relação entre o peso e a ciclicidade”, informa Passos. Após estabelecer as metas de peso de entrada das novilhas em reprodução, é preciso fazer o plano nutricional para a recria dessas fêmeas no ano seguinte. Assim, é possível melhorar o resultado durante a própria estação. “Em uma estação de monta bem feita, com bom manejo nutricional, sanitário e genética, é possível incrementar em mais de 30% a produtividade da fazenda. As etapas de planejamento, execução do trabalho, coleta de dados e tomada de decisões de melhoria são fundamentais para fazer a gestão da reprodução, ter sucesso na cria e fazer deste segmento um excelente negócio”, assegura o diretor da Cria Fértil.