Pedro Salvo
Consultor Técnico Comercial dsm-firmenich
A redução da temperatura, da luminosidade e da precipitação são sinais de que a seca se instala, principalmente no Brasil central. Com isso, as forrageiras mudam a sua composição, reduzindo os componentes nitrogenados e aumentando a participação da lignina, que torna a fração fibrosa da planta menos digestível. Do ponto de vista animal, o resultado de tudo isso é a redução do consumo voluntário de pasto e, consequentemente, do desempenho.
A seca afeta todas as categorias de animais que estão sob o regime de pastejo, porém, para uma categoria específica, ela é a primeira fase de desafio após a desmama, que são os animais em crescimento, caracterizando a fase de recria. A recria pode ser considerada o período pós- desmame que se estende até após a puberdade dos animais. Se considerarmos apenas o peso, a puberdade ocorre quando a fase de crescimento do animal passa de um estado de autoaceleração para autoinibição. Essa mudança representa uma inflexão na curva de crescimento.
Em termos práticos, a puberdade ocorre quando os animais chegam a 60% do seu peso maduro (Brody, 1964). Machos não castrados da raça Nelore apresentam peso maduro (25% de gordura na carcaça) aos 585 kg de peso vivo em jejum (Benedeti et al. 2023), em que o peso à puberdade seria de 351 kg. Considerando um peso ao desmame de 210 kg (7@s), a composição corporal entre músculo e gordura deste animal até após a puberdade, de 390 kg (13@s), estaria de acordo com o gráfico 1 (equações do NASEM 2016)

Durante a fase de recria, a composição corporal do animal muda constantemente; a taxa de deposição de músculo começa a declinar e a taxa deposição de gordura começa a subir, o que afeta diretamente a exigência nutricional dos animais.
Considerando que a época de desmame se concentra entre os meses de maio e junho, que também é o início da seca em muitos estados do Brasil central, o desafio principal é tomar a seguinte decisão: suplementar os animais de recria para manter o peso de desmama até o início das águas ou suplementar para ganhar peso durante a seca?
Do ponto de vista nutricional, é preciso considerar que o pasto de seca apresenta uma deficiência muito grave, que é a falta de nitrogênio para a síntese de enzimas microbianas para degradar a fibra e transformá-la em energia. Sem a suplementação de nitrogênio, compostos que seriam destinados à formação de tecidos (muscular, por exemplo) são direcionados para a manutenção do nitrogênio ruminal por meio dos mecanismos de reciclagem. Ou seja, além de causar uma deficiência dietética, a falta de nitrogênio suplementar também causa uma deficiência metabólica. A suplementação na época da seca também visa manter a síntese proteica no rúmen por meio do fornecimento de aminoácidos de cadeia ramificada e de minerais, como cobalto e fósforo (Detmann, 2022).
Para tomar a decisão de suplementar os animais na época da seca, além dos aspectos nutricionais, é necessário levar em consideração o custo- benefício de cada nível de suplementação. Em uma recria feita ao longo de um ano, o periodo da seca representará aproximadamente 1/3 deste tempo, o que é muito, para considerar qual o ganho médio diário mínimo (GMD) o animal precisa ter para pagar seus custos. Na tabela 1, está representada uma simulação de qual seria o ganho mínimo para um animal de recria pagar seus custos relacionados ao ágio da arroba, ao aluguel de pasto, suplementação mineral com ureia e outros. Em um período de um ano, o GMD mínimo seria de 0,423 kg/cabeça/dia, o que equivale a um ganho mínimo de aproximadamente de 5,15 @ ao ano.

Com essa informação em mãos, é preciso ter ciência de que, no caso da opção por um nível de suplementação para manter o peso da desmama até o início do período chuvoso (suplemento mineral com ureia; suplemento mineral aditivado/adensado), este animal estaria com um resultado financeiro negativo no período seco. Sendo assim, este ganho teria que ser compensado no período das águas e transição águas-seca. Esta situação é comum em sistemas de produção menos intensivos.
Entretanto, se o objetivo abater um animal mais jovem, atender às exigências de ganho para melhorar a composição da carcaça (período pré- puberdade) e aumentar o giro de estoque na fazenda dentro de um ano, faz-se necessário lançar mão de níveis de suplementação que atinjam pelo menos o GMD mínimo (O,423 kg), ou G que ultrapassem este ganho.
É importante salientar que o ganho basal de animais sob pasto, tanto nas águas como na seca, sempre será relacionado à disponibilidade e qualidade de pasto, tratando-se de suplementação. Sendo assim, os ganhos adicionais de diferentes níveis de suplementação são referenciados com ganhos adicionais. Apesar dos ganhos (suplementação + pasto) serem menores na seca do que nas águas, geralmente os ganhos. Adicionais dos suplementos minerais proteicos e proteico-energéticos são maiores no período seco (Santos et al., 2009). Isso se deve ao efeito aditivo no consumo de matéria seca quando combinados o pasto de seca com o suplemento (Mieres, 1997).
Com o objetivo de ter ganhos iguais ou maiores do que o mínimo necessário, é preciso fazer uma análise de risco sobre qual suplemento utilizar, de acordo com o que cada um entrega de ganho adicional em época da seca, sempre somado ao potencial de ganho de peso do pasto. Suplementos minerais proteicos comumente trazem ganhos adicionais entre 100 e 200 g/cabeça/dia. Por outro lado, suplementos minerais proteico-energéticos (3 – 5 g de suplemento/ kg peso corporal) têm ganhos adicionais maiores, da ordem de 300 – 600 g/cabeça/dia (Detmann, 2022).
É possível trabalhar na seca com suplementação mais elevada, alcançando até 10 g de suplemento/kg peso corporal, que confere ganhos de 0,8 a 1 kg/cabeça/dia (Ferreira, 2021; Araújo, 2022). Esse tipo de prática recebe comumente o nome de Recria Intensiva a Pasto (RIP) e pode superar 80 a 100% a exigência proteica dos animais. É importante salientar que, para cada nível de suplementação, devem ser levados em consideração os níveis nutricionais, a frequência de suplementação e o espaçamento de cocho por cabeça recomendados para cada suplemento, a fim de que não haja limitações no potencial de ganho de peso estipulado de acordo com o objetivo.
Portanto, a suplementação de seca se faz necessária para a recria, mesmo no seu nível mais básico (suplemento mineral + ureia), devido, principalmente, à deficiência de nitrogênio que as forrageiras geralmente apresentam nesta época, o que interfere em seu consumo. A decisão de aumentar ou manter a taxa de ganho de peso dos animais deve ser tomada levando-se em consideração, primeiramente, uma visão holística do sistema produtivo, a curva de crescimento do animal e, por último, mas não menos importante, o aspecto financeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Araújo, L. C. 2022. Estratégias nutricionais na recria de novilhas nelore destinadas à reprodução. 2022. Tese (Doutorado em Zootecnia).
Benedeti, P. D. B. et al., 2023. Exigências de energia para bovinos de corte. In Exigências Nutricionais de Zebuinhos Puros e Cruzados – BR-CORTE (pp. 177–204). Editora Scienza. http://dx.doi.org/10.26266/978-85-8179-192-0.2023.CO08.pt.177-204.
Brody, S. 1964. Bioenergetics and Growth. Reinhold, New York.
Detmann, E. 2022. Produção e pasto para a seca: Como aproveitá-lo melhor usando a suplementação? In: SANTOS, M. E. R; MARTUSCELLO, J. A. (org). Todo ano tem seca! Está preparado? Estratégias para produção de uso do pasto na época seca. São Paulo: Reino Editorial, 2022.
Ferreira, I. M. 2021. Impacto da oferta de dietas com diferentes teores de proteína sobre o desempenho de bovinos nelore em recria durante o período seco. 2021. Dissertação (Mestr. em Zootecnia).