Thiago Bernardino de Carvalho
Pesquisador da Equipe de Pecuária do Cepea, da ESALQ/USP
O Indicador do Boi Gordo CEPEA/B3 (estado de São Paulo) vem operando acima dos R$ 200,00 desde maio de 2020 e, nos primeiros dias de fevereiro de 2021 – ou seja, menos de um ano depois –, atingiu a casa dos R$ 300,00. Trata-se de um novo recorde nominal e, também, real da série histórica do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da ESALQ/USP, iniciada em 1994 (os valores foram deflacionados pelo IGP-DI).
O recente avanço nos valores da arroba está atrelado à oferta limitada de animais prontos para o abate. Em algumas regiões levantadas pelo Cepea, a restrição de forragens tem influenciado a disponibilidade de boi gordo pronto. Além disso, parte dos frigoríficos está com a escala apertada e, com isso, acaba pagando os maiores preços pedidos por vendedores.
Já as demandas interna e externa estão enfraquecidas neste começo de ano. No atacado da Grande São Paulo, além de os primeiros meses do ano serem marcados por menor liquidez, devido aos maiores gastos da população nesta época, agentes atacadistas consultados pelo Cepea relatam dificuldades em repassar ao varejo os atuais elevados preços da proteína.
Quanto às vendas externas, o baixo ritmo observado em janeiro é típico para o mês. Isso porque a China, principal destino da carne brasileira, reduz as aquisições de carne em começo de ano, por conta das comemorações do Ano Novo Chinês. Ressalta-se que o país asiático intensifica as compras da proteína em outubro e novembro, com o objetivo de formar estoques para as primeiras semanas do ano.
Segundo dados da Secex, em janeiro deste ano, foram exportadas 107 mil toneladas de carne bovina, 24,7% a menos que em dezembro/20. Na mesma comparação de anos anteriores, as diminuições nas vendas foram de 21,34% em 2020 (de dezembro/19 para janeiro/20), de 19,17% em 2019 e de 8,4% em 2018. A última vez que as vendas externas cresceram de dezembro para janeiro foi em 2013, ainda de acordo com dados da Secex.
Frente ao mesmo mês do ano passado, a queda no volume embarcado é de 8%, também conforme dados da Secex. Ainda assim, trata-se do terceiro melhor janeiro da história, atrás somente das quantidades embarcadas em 2007 e em 2020.
Quanto à receita, somou R$ 2,6 bilhões, queda de 21% frente à obtida em dezembro, mas 8,54% acima da de janeiro do ano passado. Além disso, esta receita é recorde para um mês de janeiro, ainda de acordo com dados da Secex.
O preço pago por tonelada se mantém firme, na casa dos US$ 4 mil desde o começo de 2020. Em janeiro/21, foi de US$ 4.510,13/tonelada, sendo o maior desde janeiro/20, quando foi de US$ 4.922,6/tonelada. Em reais, considerando-se o dólar médio do mês, de R$ 5,36, o valor pago por tonelada foi de R$ 24.166,16, o segundo maior da história, atrás apenas do de maio/20, quando atingiu recorde de R$ 24.815,58.
PERSPECTIVAS PARA 2021 – Depois de registrar recordes ao longo do ano passado, o setor pecuário nacional inicia 2021 com perspectivas positivas para o mercado. Os principais fatores que fundamentam esse cenário mais otimista estão relacionados à demanda externa e à possível continuidade de oferta restrita de animais para abate neste ano. Ainda que com menor intensidade, outro fator que pode influenciar uma sustentação dos preços internos é a demanda doméstica, que pode se aquecer em 2021, à medida que a economia brasileira se recupere.
No caso da demanda externa, tudo indica que os chineses deverão continuar comprando elevados volumes da proteína brasileira, especialmente devido à necessidade de abastecimento do mercado local, tendo em vista que o país ainda se recupera dos prejuízos gerados pela Peste Suína Africana (PSA). Além disso, o custo baixo da proteína brasileira deve fazer com que a China permaneça como grande parceira. O câmbio também pode favorecer o setor neste ano, já que tende a manter as exportações elevadas.
Se o cenário externo se mostra favorável ao mercado de carne bovina brasileiro, o doméstico ainda deverá passar por um período de ajustes neste começo de ano, devido à redução do auxílio emergencial do Governo e à alta taxa de desemprego.
Esses fatores, somados à já típica demanda enfraquecida em início de ano, por conta do comprometimento do orçamento das famílias, podem fazer com que o mercado fique pressionado, sobretudo no primeiro trimestre. Já nos meses seguintes, as expectativas são de recuperações na economia e na renda, o que pode trazer um incremento na demanda por carne. O Relatório Focus prevê crescimento de 3,46% da economia brasileira em 2021.
Do lado da oferta, o menor volume de abate de animais, já observado ao longo do ano passado, deve seguir neste começo de 2021. Mas, com a maior retenção de fêmeas para produção, a oferta pode começar a aumentar, especialmente a partir do final da safra, com o início do desmame. Assim, o primeiro semestre ainda pode registrar baixa disponibilidade de animais para abate, com pecuaristas, atentos às condições das pastagens, buscando um equilíbrio melhor dos preços.
Já no segundo semestre, o confinamento de animais dependerá dos preços de reposição e dos insumos, que começaram 2021 em patamares elevados. Assim, muitos pecuaristas tomarão a decisão de confinar com base nos preços da arroba do primeiro giro.
Se 2020 já foi incerto e desafiador para os pecuaristas, o ano que se inicia traz um horizonte de boas notícias, mas que exigirá do produtor atenção em sua tomada de decisão e uma boa gestão produtiva.