Para o presidente do GTPS, Caio Penido, nossa floresta é um estoque de carbono e de biodiversidade, além de reguladora do clima mundial. E isso precisa ser valorizado e pago!
Com mais de 60% do território destinados à conservação, enorme biodiversidade, um Código Florestal moderno e conservacionista e praticando uma pecuária tropical e com potencial de baixas emissões, temos todas as condições para oferecer ao mundo nossa contribuição com uma pecuária sustentável, que leve em conta os limites dos sistemas naturais, para atender à crescente demanda dos mercados e o combate ao desmatamento ilegal”. A afirmação é de Caio Penido Dalla Vecchia, presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável – criado no final de 2007 e formalmente constituído em junho de 2009, com a missão de promover o desenvolvimento sustentável da pecuária por meio da articulação da cadeia, da melhoria contínua e da disseminação da informação, premissas essenciais para o momento atual. Em sua opinião, “cabe ao mundo premiar nossos bons exemplos de produção sustentável e pagar pelos serviços ambientais prestados gratuitamente pelas propriedades particulares como estratégia de conservação”.
Graduado em Comunicação Social, produtor rural e membro do Conselho Administrativo do Grupo Roncador, complexo empresarial de sua família cujos negócios estão divididos em agricultura, pecuária e mineração, Caio Penido é responsável pela Liga do Araguaia, liderando projetos voltados à adoção de práticas de pecuária sustentável na região. “Através do trabalho na fazenda e junto aos projetos da Liga, pude perceber que só com a atuação integrada de toda a cadeia de produção da pecuária será possível avançar na direção de um modelo sustentável de produção e, principalmente, no acesso a mercados que reconheçam atributos de sustentabilidade somados aos de qualidade da carne (sabor, suculência e maciez), transformando nossa biodiversidade em valor e vantagem competitiva”, conta Penido, que também ocupa o cargo de Diretor do Instituto Mato-Grossense da Carne (IMAC) e faz parte do Comitê da Estratégia PCI.
Recentemente, integrou a comitiva de Mato Grosso do Sul presente na Semana do Clima, nos Estados Unidos e, sobre a imagem negativa do Brasil no exterior em relação às questões ambientais, ele é taxativo: “Só têm problema com desmatamento os países que ainda conservam suas florestas”.
Noticiário – Qual a sua principal missão à frente do GTPS?
Caio Penido – Assumi a presidência em 2018, tendo na comissão executiva dois grandes parceiros: o Leonardo Lima, da Arcos Dourados, e o Breno Felix, da Agrotools. Assumimos com a missão de desmistificar informações distorcidas, com o apoio técnico de colaboradores e associados do GTPS, e criar uma agenda positiva a todos os elos da cadeia que motive o pecuarista e as demais categorias a se engajarem na produção sustentável. Como produzir mais carne por hectare para atender ao aumento da demanda mundial por proteína animal? Como fazer essa intensificação de forma sustentável, com boas práticas e melhorando a pegada de carbono da pecuária? Quais as barreiras para a regularização ambiental e a adequação ao Código Florestal? Como estimular a conservação através da criação de valor financeiro na floresta viva? Quais os entraves para a implementação de um mercado de serviços ambientais/carbono mundiais, em que países e empresas responsáveis pelas maiores emissões mundiais de GEE (Gases de Efeito Estufa) possam neutralizá-las com nossa biodiversidade? Como conscientizar o consumidor urbano para que ele seja mais exigente e entenda que vive no país que detém a biodiversidade do mundo?
Noticiário – O que traz da sua experiência pessoal como pecuarista no Grupo Roncador e na Fazenda Água Viva para a gestão à frente do GTPS?
Caio Penido – Como pecuarista de gado de corte em minha propriedade na Fazenda Água Viva – Cocalinho/MT e sendo membro do Conselho de Administração do Grupo Roncador, tenho liderado, nos últimos anos, a Liga do Araguaia: um movimento pela adoção de práticas de pecuária sustentável na região do médio Vale do Araguaia/MT, que envolve atualmente mais de sessenta propriedades. Através do trabalho na fazenda e junto aos projetos da Liga, pude perceber que só com a atuação integrada de toda a cadeia de produção da pecuária será possível avançar na direção de um modelo sustentável de produção e, principalmente, no acesso a mercados que reconheçam atributos de sustentabilidade somados aos de qualidade da carne (sabor, suculência e maciez), transformando nossa biodiversidade em valor e vantagem competitiva. Percebi que o pecuarista brasileiro precisa gastar muito tempo e dinheiro para se dedicar a assuntos relacionados ao meio ambiente e deveríamos pensar em alguma forma de remuneração internacional para compensar esse alto custo ambiental. Além da obrigatoriedade de se imobilizar capital para adquirir floresta como condicionante para poder produzir, o produtor ainda tem um custo eterno de manutenção e adaptação a essa biodiversidade: regularização estadual, recuperação de APPs (Áreas de Preservação Permanente), onça que come os bezerros, segurança para vigiar as reservas, advogados etc… Isso não acontece em outros países produtores de carne, como os EUA e a Irlanda, que disputam os mercados internacionais conosco e onde o pecuarista está dedicado apenas à produção. Isso me parece uma concorrência muito desleal.
Noticiário – Como avalia o momento atual do País para o setor?
Caio Penido – Somos uma potência agroambiental. Com mais de 60% do território destinados à conservação, enorme biodiversidade, um Código Florestal moderno e conservacionista e praticando uma pecuária tropical e com potencial de baixas emissões. Uma vez que o mercado global entendeu isso, agora se pergunta: qual é o nosso plano para toda essa biodiversidade? Temos todas as condições para oferecer ao mundo nossa contribuição com uma pecuária sustentável, que leve em conta os limites dos sistemas naturais, modelos sustentáveis de produção para atender à crescente demanda dos mercados e combate ao desmatamento ilegal. Cabe ao mundo premiar nossos bons exemplos de produção sustentável e pagar pelos serviços ambientais prestados gratuitamente pelas propriedades particulares como estratégia de conservação.
Noticiário – Em setembro, o senhor participou da Semana do Clima, em Nova York (EUA). No exterior, o Brasil vem sendo acusado de não cuidar do meio ambiente. Como mudar essa imagem?
Caio Penido – Só têm problema com desmatamento os países que ainda conservam suas florestas. Percebi uma intenção internacional de boicotar os produtos brasileiros para forçar o agronegócio a pressionar o governo brasileiro nas práticas de conservação. Me pareceu estranho boicotar a maior potência ambiental do mundo, enquanto os que desmataram e são grandes emissores podem comercializar seus produtos com tranquilidade. Precisamos reforçar a comunicação positiva sobre as diversas ações sustentáveis do agronegócio. Um dos trabalhos atuais do GTPS está sendo atualizar o Mapa de Iniciativas em Pecuária Sustentável no Brasil. O objetivo é construir um banco de ações relevantes do setor, estruturar os projetos de maneira a possibilitar a divulgação e os investimentos e, ainda, garantir que sejam reconhecidos, replicados e que tenham continuidade. Uma vez mapeadas essas iniciativas com alto potencial de “prestadores de serviços ambientais”, precisaremos conectá-las com os potenciais compradores, criando esse novo mercado. Nossa floresta é estoque de carbono e de biodiversidade, além de reguladora do clima mundial, e isso deve ser valorizado e pago!
Noticiário – A pecuária ainda é vista como incompatível com a sustentabilidade?
Caio Penido – A visão de incompatibilidade vem de uma estratégia de comunicação que vinculou o desmatamento à pecuária, criminalizando o setor e polarizando o campo! Mas se analisarmos apenas o nosso modelo de pecuária e seus potenciais, a análise é bem diferente… Quando se fala em pecuária, o mundo logo pensa na pecuária praticada nos países temperados (EUA e Europa), com animais estabulados e com alta emissão de gases de efeito estufa (GEE). Ao contrário dessa situação, praticamos no Brasil uma pecuária tropical a pasto, com elevados níveis de remoção de GEE pelo solo na recuperação de nossas pastagens degradadas, em um ciclo virtuoso de neutralização das emissões entéricas de nossos bovinos. Modelos de Integração Lavoura-Pecuária e Lavoura-Pecuária-Floresta desenvolvidos no Brasil e em plena adoção são uma demonstração inquestionável de nossa capacidade de realizar uma pecuária sustentável. Outro trabalho importante do GTPS é a aplicação do GIPS – Guia de Indicadores de Pecuária Sustentável, que é uma ferramenta de autoavaliação com o objetivo de fornecer informações e orientações sobre a pecuária sustentável para o produtor. Através desse Guia e do esforço do pecuarista em busca de melhoria contínua, podemos demonstrar ao mundo que nossa pecuária tem tudo para ser a mais sustentável do planeta. Precisamos, apenas, desvinculá-la dos desmatamentos, intensificar as áreas degradadas aumentando a produtividade, cumprir o Código Florestal, melhorando, assim o seu balanço de carbono.
Noticiário – No Congresso Brasileiro do Agronegócio (ABAG) deste ano, várias autoridades do setor e a própria ministra Tereza Cristina afirmaram que o Agro precisa se comunicar melhor com a sociedade brasileira. O senhor, que além de pecuarista é formado em Comunicação Social, concorda?
Caio Penido – Essa é uma constatação antiga e de difícil superação, principalmente enquanto não apresentarmos um plano concreto para a nossa biodiversidade. No setor produtivo, o desafio passa pela comprovação de que nossos sistemas podem ser modernos, conservacionistas, sustentáveis e replicáveis para todo o País. Na minha opinião, precisamos inicialmente conscientizar a população brasileira de que os países desenvolvidos chegaram a essa posição de desenvolvidos suprimindo seus biomas, em um momento em que a biodiversidade não era valorizada. Graças a diversos fatores, o Brasil chegou a 2019 com essa condição única: é um dos maiores produtores de alimentos, capaz de atender à demanda mundial nas próximas décadas, e a maior potência ambiental do planeta. Chegou a hora de valorizarmos essa biodiversidade conservada para que possamos nos desenvolver economicamente ganhando dinheiro com nossos produtos agrícolas e, também, com nossa produção de biodiversidade. O brasileiro comum, urbano e distante desse debate, precisa entender um pouco mais, se orgulhar dessa liderança, e só então poderemos convencer o resto do mundo!
Noticiário – Preservar é um bom negócio para o pecuarista?
Caio Penido – Sem dúvida, é um bom negócio para a produtividade da fazenda, além de ser bom para todos aqueles que são beneficiados pela preservação de nossos recursos naturais: biodiversidade, carbono e água. Mas o mundo não valoriza e não paga pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas e, por isso mesmo, é urgente a rápida regulamentação dos chamados PSAs – Pagamentos por Serviços Ambientais, que reconhece isso através do pagamento pelos serviços ambientais prestados pelas florestas cuidadas pelo produtor rural. A possibilidade de sua implantação representa a justa compensação financeira àqueles que prestam tais serviços gratuitamente até hoje em benefício de toda sociedade. Assim, serão mais estimulados a manter as Reservas Legais e Áreas de Preservação em suas propriedades, adotando boas práticas agropecuárias e respeitando os limites naturais.
Noticiário – A produção de Carne Carbono Neutro (CCN) pode se tornar um diferencial competitivo em um futuro próximo. Como o Brasil pode caminhar nessa direção?
Caio Penido – O Brasil, por ser um grande produtor de gado extensivo, tem possibilidade de sair na frente da produção de Carne Carbono Neutro. O protocolo CCN (Carne Carbono Neutro), desenvolvido pela Embrapa, voltado ao carbono presente no componente florestal da Integração LPF, somado ao CBC (Carne Baixo Carbono), voltado ao carbono removido pelas pastagens recuperadas, são duas importantes iniciativas para validar a capacidade de neutralização ou redução de emissões dos nossos modelos de produção. Sem uma validação e a posterior certificação desse atributo, realizadas por instituições independentes (terceira parte), não é possível torná-lo “tangível” e transformá-lo em valor financeiro. Este é o caminho que estamos trilhando, com o apoio da própria Embrapa e de outras instituições.
Noticiário – Como a adequada nutrição animal e as tecnologias a ela aplicadas podem contribuir para aumentar a produtividade, a eficiência e garantir a sustentabilidade?
Caio Penido – Adoção de tecnologias, boa gestão, nutrição adequada e manejo correto do solo, além do cumprimento da legislação, são os principais fatores para o aumento da produtividade e da eficiência, contribuindo para a sustentabilidade do setor. Adiciona-se a isso os avanços no desenvolvimento de aditivos utilizados na alimentação animal com propriedade de reduzir as emissões de metano dos processos metabólicos dos ruminantes. Com a utilização da suplementação mineral, treinamento e tecnologia, o Brasil está abatendo seu rebanho cada vez mais cedo e, assim, reduzindo as emissões de GEE por quilo de carne produzida. Isso é sustentabilidade.
Noticiário – Quais são os planos do GTPS para o futuro? Como a entidade pretende trabalhar para a construção de uma pecuária sustentável, justa, ambientalmente correta e economicamente viável?
Caio Penido – Desde que foi criado, em 2009, o GTPS trabalha para a construção da pecuária sustentável. Os planos para o futuro são dar continuidade ao fortalecimento da cadeia de pecuária e do trabalho em conjunto com os seus elos para ampliar a percepção positiva do público interno e externo em relação à pecuária, além de trabalhar para continuarmos a ser referência para o setor tanto no Brasil quanto na América Latina, influenciando mesas locais e globais no desenvolvimento de ações para a pecuária sustentável.