Antonio Jorge Camardelli: 2022 foi um ano dourado para a carne bovina brasileira

Mesmo em um ano de incertezas e turbulências, exportações do setor bateram recordes em volume e faturamento

Mylene Abud

Em 2022, o Brasil atingiu seu recorde no volume de carne bovina exportado em um único ano, alcançando a marca de 2,26 milhões de toneladas vendidas para mais de 150 países, superando em 417 mil toneladas as exportações do ano anterior, um crescimento de 22,6%. Divulgados no Beef Report 2023, os dados foram levantados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e compilados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC).

De acordo com o documento, um marco histórico em faturamento também foi atingido ao longo do ano, com exportações na ordem de USD 12,97 bilhões, registrando um aumento de 40,8% frente ao resultado do ano anterior. Dessa forma, o setor acrescentou mais de US$ 3,7 bilhões na balança comercial do Brasil ao longo de 2022 em comparação com 2021.

Para Antonio Jorge Camardelli, presidente da ABIEC, esses números excelentes refletem principalmente a adoção rápida de medidas de enfretamento à pandemia de Covid-19 no País e a manutenção do status sanitário. Desde 2020 à frente da Associação, que reúne 39 empresas do setor no país, responsáveis por 98% da carne negociada para mercados internacionais, o médico-veterinário Antonio Camardelli conversou com o Noticiário Tortuga às vésperas de embarcar em direção à Indonésia e China, onde participou da SIAL Xangai.

Na entrevista, que você confere a seguir, ele também falou sobre a abertura de novos mercados e a exportação de mais produtos para os já abertos, das boas relações com o Ministério da Agricultura, de oportunidades e desafios para o setor, como a manutenção do status sanitário. “Somo um país livre de Febre Aftosa, com vacinação em alguns estados e sem vacinação em outros, mas o perigo ronda a grande área e não podemos deixar nenhum tipo de vírus ou proteína infectada por EEB fazer um gol na gente, porque isso abala sobremaneira a cadeia como um todo”, adverte.

Noticiário – No ano passado, o País exportou cerca de 8,4 milhões de t de carnes, com receita de US$ 25,670 bi. Desse total, cerca de 50,49% da receita cambial foram proporcionados pela carne bovina, que bateu recordes em 2022. A ABIEC está otimista para este ano?
Antonio Camardelli – Falando pelo bovino, 2022 foi um ano dourado, em que atingimos o marco histórico em faturamento com exportações da ordem de USD 12,97 bilhões, aumento de 40,8% frente ao ano anterior. O Brasil teve recorde no volume de carne bovina exportado em um único ano, alcançando a marca de 2,26 milhões de toneladas vendidas para mais de 150 países, e superamos as exportações de 2021 por 417 mil toneladas, um crescimento de 22,6%. Esse sucesso foi fruto de vários fatores que propiciaram esses resultados: ações rápidas de enfretamento à Covid pelo Governo, através dos ministérios da Agricultura, da Economia, por produtores, indústria e entidades do setor, garantindo a segurança de empregados e de produtos, de embalagens, de forma rígida, proporcionando que todo o processo de exportação fosse seguro. Ao mesmo tempo que aqui tivemos o controle da situação em relação à pandemia, outros países importadores e exportadores em potencial precisaram mexer nas suas equações para dar garantia ao suprimento e passaram a acessar quem tinha disponibilidade e teve menos danos na cadeia. Esses anos dourados também têm relação com a manutenção do nosso status sanitário. O Brasil tem perenidade de ofertas, com preços competitivos, com boi verde, sem promotor de crescimento, tudo isso enquadra o País nesse potencial todo. Para 2023, seguimos com a tendência de bons resultados para o País, mesmo que os números sejam um pouco diferentes em relação a 2022.

Noticiário – Quais as principais vantagens competitivas dos pecuaristas brasileiros, que fazem do País o principal exportador de carne bovina do mundo?
Antonio Camardelli – É uma seleção de fatores, mas o carro-chefe indubitavelmente é a manutenção do status sanitário. Basta lembrar que, com a eficiência das ações do governo e de todo o processo em relação ao caso atípico de EEB (Encefalopatia Espongiforme Bovina ou BSE, na sigla em inglês) no Pará, ficamos apenas 30 dias fora (ao contrário de 2021, quando o fechamento durou cerca de quatro meses). Mas esse é um episódio que não precisava ter esse tipo de desenrolar. Então, podemos dizer que o que manda no processo é a sua eficiência, a perenidade da demanda, da matéria-prima. Ou seja: a certeza do produtor de que ele vai produzir e eu vou vender se faz com a abertura de mercados e o acréscimo de novos itens nos mercados abertos. O Brasil, apesar de ser o maior exportador mundial de carnes, ainda não atinge 30% do mercado importador mundial, como Coreia do Sul, Taiwan e Japão. Neste ano, logramos êxito em fechar com o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), já exportamos para Estados Unidos, México e Canadá. E continuamos, junto com o Governo Federal, o Ministério da Agricultura, Itamaraty, a atuar para abrir novos mercados.

Noticiário – E os maiores desafios?
Antonio Camardelli – Já entre os desafios, o principal é exatamente a manutenção do status sanitário. Como não existe risco zero em epidemiologia, temos que cuidar sempre.  Somo um país livre de febre aftosa, com vacinação em alguns estados e sem vacinação em outros, mas o perigo ronda a grande área e não podemos deixar nenhum tipo de vírus ou proteína infectada por EEB fazer um gol na gente, porque isso abala sobremaneira a cadeia como um todo. Em 2006, no último caso que a gente teve de Aftosa, em Mato Grosso do Sul, no primeiro dia, o Brasil perdeu 56 mercados. E, para retomar esses mercados, não tem a mesma velocidade. Então, o desafio do setor, das autoridades e do governo é a manutenção do status sanitário, que foi conseguido com muito sacrifício e muito custo.  E as medidas de proteção que temos são para atender os controles, agilizar os mecanismos de notificação, o MAPA está presente em todos os lugares do Brasil, algumas atividades são delegadas para as secretarias de Agricultura. Ou seja, hoje temos um ambiente, uma cultura muito mais racional e rápida em relação a esse domínio. Então, a gente não pode baixar a guarda.

Noticiário – Como o sr. comentou, em março, houve novo embargo chinês à carne brasileira por um caso atípico de EEB. O que a ABIEC acha do atual protocolo sanitário estabelecido entre os dois países? Dá para melhorar?
Antonio Camardelli – Às vezes, fica-se em uma “Escolha de Sofia”, entre abrir o País e/ou negociar condições comerciais. Se a gente partir do princípio de que não existe exportação, o que está acontecendo é importação. E quem importa é que determina as regras. E, dentro possível, essa avaliação é feita de forma a trazer mais tranquilidade para compradores e produtores.   Essa é uma função delicada que cabe ao Itamaraty e aos ministérios específicos, porque também implica na concessão ou não de uma amplitude de acordos comerciais que envolvem outros produtos.  O que podemos dizer é que o Brasil tem feito inúmeras tentativas e vai continuar fazendo. Segundo o Código Sanitário de Animais Terrestres da Organização Mundial de Saúde Animal (WHOA, antiga OIE), um caso atípico é atípico, não tem prejuízo nenhum para o rebanho e nem para a saúde humana.  Mas está lá no protocolo. O ideal para nós, que o Governo está insistindo e os privados estão tentando ajudar nesse processo, é que simplesmente se retire a palavra ‘atípica’ e deixe somente ‘clássica’. Porque, ao que tudo indica, pela legislação e por peculiaridades da proteína, dificilmente o Brasil terá qualquer caso nativo de EEB clássica. Isso faz parte da negociação. Nós temos a COSBAN – Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, que tem como titular o Vice-Presidente Geraldo Alckmin, a qual reúne, a cada dois anos, altos representantes dos dois países para incentivar o relacionamento bilateral. A próxima reunião está marcada para janeiro de 2024 e, nesses encontros, existe uma troca de informação entre os dois países e aqueles temas em que haja concordância são levados à pauta, e é um nicho de tentativa para elucidar o problema da EEB. A China é ímpar, um grande consumidor. Tudo o que eles encomendam a gente faz, tudo o que a gente faz a gente carrega e tudo o que a gente carrega eles pagam, a relação é ótima.

Noticiário – Quais as expectativas do setor após a visita do presidente Lula à China? Como estão as relações da ABIEC com o novo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro?
Antonio Camardelli – Nos últimos meses, o ministro Fávaro já esteve duas vezes na China. Isso evidencia toda a capacidade de articulação do ministro e do próprio Governo no encaminhamento de várias pautas do agronegócio e que são bastante extensas, tanto de lá para cá como daqui para lá. Nós, como entidade, estamos extremamente confortáveis com o desempenho e a preocupação que o ministro Fávaro tem tido em relação a resolver os problemas. E, muito mais que isso, a dar continuidade a essa relação. Uma parceria desse tamanho tem que ser cuidada. Trabalhamos para que esse seja um casamento eterno.

Noticiário – Como estreitar ainda mais as relações com o gigante asiático, nosso maior comprador, sem ficar dependente, e prospectar novos mercados?
Antonio Camardelli – Estamos dando sequência à abertura de novos mercados. A ABIEC, junto com a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), fez uma programação a pedido do Ministério da Agricultura para este ano, que inclui não a retomada, mas a sequência do trabalho do Governo anterior, na expectativa de abrirmos a Coreia do Sul, que é um mercado de mais de 540 mil t, e o Japão, primeiro mercado do mundo com mais de 700 mil t (os dois países, juntos, são 93% mercados cativos dos EUA e da Austrália), e dar continuidade à relação com a China. Muito tem se falado dessa história da dependência, mas a China compra, paga e recebe, e nosso relacionamento é ótimo. Tomara que ela continue com essa dependência de 40%. Se continuarmos com essa demanda, estamos estabelecendo o melhor aceno para o produtor de que ele pode investir que terá retorno com dinheiro no bolso. E, um ponto importante que gostaria de destacar, é a tranquilidade que o Brasil tem, até porque nunca exportamos mais que 29% do que produzimos, o que garante que 70% ficam no mercado interno. Isso afasta qualquer preocupação com o desabastecimento. Ninguém no mundo tem essa equação que nós temos.

Noticiário – Qual o seu balanço sobre a participação da ABIEC na Gulfood, realizada em março? Como está a prospecção e a expansão para novos mercados, como dos países árabes?
Antonio Camardelli – Os países árabes são nossos tradicionais parceiros, a ABIEC tem acordo do com várias federações, como a Federação Muçulmana do Brasil e outras em todo o mundo. Isso significa que atendemos 100% das obrigações religiosas, do processo Halal. A Gulfood é uma feira maravilhosa, está entre as três maiores do mundo. A facilidade que Dubai tem hoje de trazer compradores russos, de Hong Kong, da China, a localização e a própria oferta que interage em relação ao pacote comercial e turístico, faz com que ela tenha se tornado o que é.  Seguimos céleres em relação ao aumento de itens. Uma boa lembrança é que estamos avançando muito em certificação eletrônica. Já há um bom número de países em que temos certificação completamente on-line, desde a sanitária até o processo Halal, do aval da Câmara Árabe etc.

Temos grande integração com a APEX em diversos projetos, como o de interiorização da ABIEC em cidades principais na China. Temos feito eventos em Xangai, em Pequim. A China ampliou agora mais quatro plantas, e a expectativa é que amplie mais. Participamos de várias feiras, como a SIAL (Xangai), onde a ABIEC tem mil metros quadrados junto com a APEX, e a próxima de que participaremos será a Anuga (Alemanha), em outubro. Mas, nesse interregno, temos vários eventos em embaixadas, no perfil de mercados abertos onde vendemos carne in natura. E a nossa expectativa é ampliarmos nesses mercados, como a China, a venda de outros produtos, como carne com osso, miúdos. Faz parte do nosso trabalho junto com a APEX. Não apenas prospectar mercados novos, iniciando uma construção que leva tempo, estudo de varejo, de demanda, entre vários itens, mas também ampliar a oferta de produtos nos mercados já abertos.

Noticiário – Para fechar, qual a importância da tecnologia e da nutrição animal para atender à crescente demanda por alimentos de forma sustentável?
Antonio Camardelli – Produzindo alimentos de melhor qualidade, em maior quantidade, em menos tempo e otimizando recursos, avançamos na direção de atendermos a uma demanda crescente por alimentos de forma cada vez mais sustentável. E a nutrição e a tecnologia são fatores importantíssimos para seguirmos avançando nesta linha.

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