Fernando Machado
Consultor de Pecuária de Precisão
Com a intensificação da pecuária de corte, o confinamento se tornou uma ferramenta estratégica nas propriedades brasileiras. Sendo a produção de carne a céu aberto uma prática predominante, confinar bovinos ao longo do ano apresenta desafios significativos, especialmente devido às variações climáticas que impactam negativamente a produção. Em sistemas extensivos, os animais procuram locais que proporcionem melhor conforto ambiental. Já em sistemas intensivos, técnicos e produtores devem garantir um ambiente adequado para melhorar o bem-estar animal.
Embora o reconhecimento dos efeitos prejudiciais do estresse térmico sobre os animais tenha ocorrido no início do século, debates e estudos sobre esses efeitos nas variáveis fisiológicas dos bovinos continuam até hoje (Ferreira et al., 2009).
O desempenho produtivo dos animais pode ser influenciado por condições climáticas adversas, resultando em perdas de produção e produtividade (Furtado et al., 2012). Em ambientes de termoneutralidade, a energia metabolizada é quase totalmente destinada à produção, sem a necessidade de uso para mecanismos de termorregulação (Takahashi & Biller, 2009).
Segundo Nardone (1998), o baixo desempenho produtivo dos bovinos, associado ao estresse térmico, deve-se principalmente à baixa ingestão de alimentos, seguida pela diminuição da atividade enzimática oxidativa, da taxa metabólica e da alteração da concentração de vários hormônios. Além disso, as perdas produtivas são exacerbadas pela falta de sombra para os animais confinados.
No Brasil Central, o estresse térmico é especialmente relevante a partir de agosto. Neste período, são evidenciados menores ganhos médios diários e uma menor conversão devido ao aumento da energia de mantença para dissipar o calor e menor consumo. Dados citados pelo BR-CORTE 2023 indicam uma redução no consumo próximo a 1,5% para cada grau de elevação da temperatura acima de 25°C.
Ondas de calor podem favorecer o aparecimento de doenças oportunistas (pasteurelose por exemplo), devido à diminuição da imunidade causada pelo aumento do cortisol. Também predispõem à acidose, dado que os animais ficam mais em pé, ruminam menos e têm um aumento na frequência respiratória que leva à perda de gás carbônico, um importante componente na formação do bicarbonato salivar.
O risco de estresse térmico em bovinos está diretamente relacionado à temperatura, umidade do ar, velocidade do vento; a características inerentes ao próprio animal, como raça, idade, escore corporal, cor da pele e pelagem; e às atividades a que são submetidos em dias de intenso frio ou calor (OIE, 2018).
Diversos índices foram desenvolvidos para avaliar o estresse térmico dos animais. O mais utilizado é o Índice de Temperatura e Umidade (ITU), elaborado inicialmente por Thom (1959) e adaptado por vários autores. Esse método é um modelo matemático que considera a temperatura ambiente (TA) e a umidade relativa do ar (UR), podendo ser calculado pela equação de Buffington et al. (1981): ITU = (0,8 * TA + (UR%) * (TA – 14,4) + 46,4), onde TA é a temperatura do ambiente (°C) e UR é a umidade relativa do ar (%).
Conforme a literatura sobre os parâmetros do ITU para bovinos, valores abaixo de 74 indicam uma faixa ótima de desempenho. Entre 74 e 78, os animais estão no limite para bom desempenho produtivo. Entre 79 e 83, encontram-se em uma faixa de alerta com impactos negativos na produtividade. Acima de 84, os animais estão em alto estresse térmico, comprometendo funções orgânicas e afetando significativamente o desempenho produtivo.
[Figura 1: Parâmetros de ITU]
Fonte: Mader, 2007
No ciclo de águas 2023-2024, o Brasil esteve sob influência do fenômeno El Niño, que elevou as temperaturas globais em cerca de 2°C acima da média, registrando sua maior intensidade. Esse período também apresentou altos índices de umidade, resultando em vários casos de estresse térmico na base de clientes dsm-firmenich pelo Brasil (Gráfico 1).
[Gráfico 1: Correlação entre índice de temperatura e umidade com o consumo de bovinos confinados.]
Fonte: Machado, 2024.
O Gráfico 2 compara o ITU com o impacto no consumo dos animais. As barras azuis representam a faixa ótima de bem-estar e desempenho, as barras vermelhas indicam o estado de alerta com impactos produtivos negativos, e as barras roxas representam a zona crítica para desempenho e saúde animal.
[Gráfico 2: Correlação entre índice de temperatura e umidade com o consumo dos animais no ciclo 2022-2023]
Fonte: Machado, 2024.
No ciclo de 2022-2023, houve mais semanas na faixa ótima de bem-estar, resultando em pouco impacto no consumo dos animais.
[Gráfico 3: Correlação entre índice de temperatura e umidade com o consumo dos animais no ciclo 2023-2024]
Fonte: Machado, 2024.
O consumo dos animais, que se encontrava em valores de 97% a 99% em relação à referência de consumo, chegou a valores de 87% após a sequência de semanas em faixas de alerta e críticas de bem-estar e desempenho. E, como consequência, houve uma redução de 8% no ganho diário de carcaça.
Para mitigar o impacto negativo do estresse térmico no confinamento, é essencial a implantação de sombreamento. A experiência de pesquisa de campo no México mostra ganhos superiores a 200 gramas de ganho médio diário (GMD) em áreas com sombra, justificando o investimento na maioria dos casos. Recomenda-se 4m²/animal de sombra nas épocas mais frias e 6m²/animal nas épocas quentes.
Segundo Maia (2023), os benefícios da sombra em confinamentos são produtivos e econômicos. Animais que estiveram em baias de confinamento com sombra tiveram ganhos de 8kg de carcaça a mais, além de uma menor frequência respiratória e uma menor vasodilatação periférica. E, mesmo em casos em que a ingestão de matéria seca foi a mesma em comparação a animais sem acesso à sombra, aqueles que obtiveram apresentaram melhor conversão.
Outras medidas para melhorar a ambiência e reduzir o estresse térmico incluem a adequação da área por animal, espaço de bebedouro e espaçamento de cocho. Nas épocas frias, recomenda-se uma área de 12m²/animal no piquete de confinamento, 3 a 4 cm/animal de acesso ao bebedouro e 33 cm de espaçamento de cocho. Nas épocas quentes, a área recomendada é de 16m²/animal, 6 cm/animal de acesso ao bebedouro e 45 cm de espaçamento de cocho. O consumo de água aumenta significativamente em épocas quentes, portanto, os bebedouros devem estar sempre cheios e limpos.
Dentro da rotina do confinamento, a aferição da temperatura do solo (Figura 1) e a aspersão para refrescar os animais e diminuir a temperatura do solo (Figura 2) podem influenciar positivamente o bem-estar animal.
[Figura 2: Aferição de temperatura do solo em área seca]
Fonte: Machado, 2024.
[Figura 3: Aferição de temperatura do solo em área após funcionamento da aspersão]
Fonte: Machado, 2024.
Normalmente, mesmo em épocas quentes, o final da tarde e o início da noite apresentam menores temperaturas e umidade, o que ajuda os animais a dissipar calor, amenizando o estresse térmico gerado ao longo do dia. Assim, os animais mudam seu comportamento alimentar para consumir alimento nesse período do dia. Uma alternativa para minimizar os impactos do estresse térmico é fornecer a maior proporção de trato no final da tarde e início da noite.
Intervenções na dieta também podem ajudar no consumo dos animais em épocas de estresse térmico. Recomenda-se utilizar uma fonte de gordura, que não fermenta no rúmen, ajudando a reduzir o incremento calórico.
Alguns aditivos podem contribuir para diminuir os danos do estresse térmico. De acordo com Zinn et al. (2022), animais submetidos a uma dieta a base de grãos em ambientes de altas temperaturas, suplementados com óleos essenciais e HyD (25-hidróxi-vitamina-D3), tiveram melhor eficiência na utilização da energia da dieta, comparado com animais suplementados com monensina.
Em conclusão, a intensificação da pecuária de corte no Brasil, especialmente por meio do confinamento, apresenta desafios significativos, principalmente devido às variações climáticas que afetam a produção. O reconhecimento dos efeitos prejudiciais do estresse térmico nos bovinos é crucial para a adoção de medidas que melhorem o bem-estar animal e a produtividade. O uso de sombra, a adequação do espaço e da alimentação, e intervenções específicas na dieta são estratégias fundamentais para mitigar esses impactos. Com a influência de fenômenos climáticos como El Niño, a necessidade de um manejo eficaz torna-se ainda mais evidente, visando a minimizar as perdas produtivas e assegurar o desempenho dos animais em condições adversas. A implementação de práticas adequadas de manejo ambiental é essencial para garantir a sustentabilidade e a eficiência da pecuária de corte no país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- FERREIRA, F. Taxa de sudação e parâmetros histológicos de bovinos submetidos ao estresse calórico. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.61, n.4, p. 763-768, 2009.
- FURTADO DA, PEIXOTO AP, REGIS JEF, NASCIMENTO JWB, ARAÚJO TGP, LISBOA ACC. Termorregulação e desempenho de tourinhos Sindi e Guzerá, no agreste paraibano. R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental. 2012; 16(9):1022-1028.
- Maia ASC, Moura GAB, Fonsêca VFC, Gebremedhin KG, Milan HM, Chiquitelli Neto M, Simão BR, Campanelli VPC and Pacheco RDL. Economically sustainable shade design for feedlot cattle. Sec. Animal nutrition and metabolism. (2022), v.9. doi.org/10.3389/fvets.2023.1110671
- NARDONE, A. Thermoregulatory capacity among selection objectives in dairy cattle in hot environment. parameters, feed intake and plasma thyroid hormones concentration in Alentejana, Mertolenga, Frisian and Limousine cattle breeds. Int. J. Biometeorol., v.52, p.199-208, 2008
- OIE- Organization For Animal Health. Introduction to the recommendations for animal welfare. In: OIE. Terrestrial Animal Health Code. 27ª ed., 2018.
- TAKAHASHI LS, BILLER, JD, Takahashi KM. Bioclimatologia Zootécnica. Jaboticabal; 2009. 91 p.
- Latack BC, Carvalho PHV and Zinn RA The interaction of feeding an eubiotic blend of essential oils plus 25-hydroxy-vit-D3 on performance, carcass characteristics, and dietary energetics of calf-fed Holstein steers. Front. Vet. Sci. 9:1032532. doi: 10.3389/fvets.2022.1032532