Com ela, a pecuária se torna mais eficiente e as informações fluem em tempo real e são acessíveis de qualquer lugar, opina Alcides Torres. E adverte: quem ainda não adotou a tecnologia, está atrasado e perdendo dinheiro!
Mylene Abud
Para o engenheiro-agrônomo e diretor-fundador da Scot Consultoria, Alcides Torres, 2023 foi um ano “barra-pesada” para todas as culturas, em especial à pecuária de corte. E, dentre os fatores que influenciaram os valores recebidos pelos produtores, ele cita o aumento da oferta de bovinos, a redução do consumo doméstico e os menores volumes exportados, como reflexo do embargo para a China no primeiro trimestre, em função de um caso atípico de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como “mal da vaca louca”, no Pará. Por outro lado, a diminuição nos custos com alimentação do rebanho também possibilitou algumas oportunidades aos produtores.
Já para o próximo ano, segundo ele, as expectativas são mais otimistas. “Porém, 2024 ainda deve ser um ano de descarte de matrizes, em menor intensidade, e com os preços da reposição demonstrando mais firmeza. Com relação ao escoamento da produção, a China deverá continuar comprando bons volumes de carne. Em outubro, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, sigla em inglês) divulgou o relatório sobre o mercado global de carne bovina, trazendo perspectivas positivas para o mercado brasileiro em 2024. A exportação de carne bovina em 2024 deverá crescer 3,6% na comparação ano a ano”, afirma o analista e consultor de mercado.
Ao lado de uma nutrição de qualidade, Alcides Torres destaca o uso da tecnologia como fundamental para uma pecuária rentável e sustentável. “É um caminho sem volta, pois facilita a vida. Em um confinamento, por exemplo, não se erra mais na escolha do indivíduo que fica e do que sai. A eficiência melhora. Aliás, não é o caminho para o futuro, é para agora, e quem não adotou, está atrasado. Está perdendo dinheiro”, sentencia Alcides Torres, na entrevista que você confere a seguir.
Noticiário – O ano está chegando ao fim. Qual o seu balanço para o setor agropecuário em 2023? Ficou aquém ou além das projeções?
Alcides Torres – Com relação à pecuária de corte, os valores da arroba do boi gordo acumularam queda ao longo de 2023. Considerando a praça de São Paulo como base, de janeiro a outubro de 2023 os preços da arroba do boi gordo caíram 19,6% na comparação com igual período do ano passado. Em agosto e setembro, foram registradas as cotações mais baixas. A projeção de um ano difícil era consenso entre os agentes de mercado, mas nem o analista mais pessimista esperava por este cenário em plena entressafra. Um dos motivos relacionados a essa pressão está ligado à exportação. Apesar da manutenção dos bons volumes, o faturamento caiu, pois a cotação da tonelada de carne exportada esteve menor. Há mais carne no mercado interno, dificuldade em escoar essa produção e menor vontade da indústria em pagar mais pelas boiadas. Por outro lado, os preços têm se recuperado e devem se manter firmes no último bimestre do ano. Mesmo assim, vale lembrar que 2023 vive um período de ciclo de baixa, com maior oferta de bovinos no mercado, fator que pressiona os preços.
Noticiário – O sr. tem dito que 2023 está sendo um ano “barra pesada” para todas as culturas, principalmente para a pecuária de corte. Quais os principais desafios enfrentados pelos pecuaristas?
Alcides Torres – Em relação ao mercado do boi gordo, aumentou a oferta de bovinos e, consequentemente, houve maior disponibilidade de carne bovina. Essa virada aconteceu já no final 2022. Mas não foi somente isso, o consumo doméstico piorou, entre outros fatores, pela queda na renda da população. Além disso, os menores volumes exportados em 2023, reflexo do embargo da exportação para a China no primeiro trimestre, pressionaram o preço recebido pelo pecuarista. Por outro lado, os custos com alimentação diminuíram, o que possibilitou ao pecuarista algumas oportunidades.
Noticiário – Há probabilidade de alta para os preços da arroba do boi, já que geralmente, no último trimestre, o consumo melhora e a quantidade de bovinos é menor? Qual a tendência em curto e médio prazos?
Alcides Torres – Historicamente, novembro e dezembro são meses que trazem firmeza às cotações do boi gordo. A oferta de bovinos deverá ser menor, com destaque às boiadas confinadas, em um momento de maior demanda por carne bovina, principalmente pelo mercado doméstico.
Altas pontuais não estão descartadas até o final do ano e, segundo o que indica o mercado futuro, os preços devem se manter firmes até o início de 2024.
Noticiário – A China segue sendo nosso maior importador de carne. Como zelar pela parceria e, ao mesmo tempo, prospectar novos mercados, de forma que o País não fique na dependência de um grande comprador?
Alcides Torres – Entidades, como a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e o governo, através do Ministério da Agricultura (MAPA), vêm desempenhando um bom papel para fortalecer as relações com o mercado chinês e promovendo a carne brasileira em outros países, outros mercados. México e Singapura são dois exemplos de países que abriram mercado para a carne bovina brasileira em 2023.
Noticiário – Que consequências a continuidade das guerras entre Rússia x Ucrânia e Israel x Hamas pode trazer ao setor
Alcides Torres – O conflito não afeta diretamente a pecuária de corte, mas a insegurança advinda dos desequilíbrios provocados por essas guerras faz com que a volatilidade aumente e os investimentos diminuam. Guerra nunca é uma coisa boa. A Rússia responde por menos de 3% de participação em volume da exportação brasileira, Israel responde por 1,4% e Ucrânia com menos de 0,1%. Uma perda de 4.4% do mercado não é pouca coisa. O maior dilema, no entanto, é no mercado de grãos e custos de produção, porque estes países ocupam muito espaço na produção global de fertilizantes.
Noticiário – Para 2024, as expectativas são de um ano melhor para a pecuária?
Alcides Torres – Esperamos um ano melhor do que foi 2023 para a pecuária de corte. Porém, 2024 ainda deve ser um ano de descarte de matrizes, em menor intensidade, e com os preços da reposição demonstrando mais firmeza. Neste ano, de setembro para outubro, a cotação média mensal de todas as categorias de machos anelorados para a reposição do rebanho subiu 4,8%. Com relação ao escoamento da produção, a China deverá continuar comprando bons volumes de carne. Em outubro, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, sigla em inglês) divulgou o relatório sobre o mercado global de carne bovina, trazendo perspectivas positivas para o mercado brasileiro em 2024. A exportação de carne bovina em 2024 deverá crescer 3,6% na comparação ano a ano.
Noticiário – E para o confinamento?
Alcides Torres – A quantidade de bovinos confinados não tem mudado significativamente ano a ano, dessa forma, a expectativa é positiva. O confinamento já faz parte da linha de produção brasileira, é indispensável. Os custos com a dieta devem ser comparativamente razoáveis, mas a reposição poderá ficar mais dispendiosa em relação a 2023. O ciclo de preços pecuários poderá mudar no fim de 2024 e, com a queda relativa no preço do milho, por exemplo (muita gente fazendo estoque de milho por um preço interessante neste ano), e com uma reposição com preço mais atraente, a expectativa é de aumento da quantidade de cabeças confinadas no próximo ano, mas sem exageros. Segundo informações da expedição realizada pela Scot Consultoria, o Confina Brasil, grandes confinamentos estão com projetos para ampliação.
Noticiário – Qual a importância da nutrição animal e da suplementação com produtos tecnológicos para intensificar a produção com saúde, bem-estar animal e sustentabilidade?
Alcides Torres – Nutrir adequadamente o rebanho é primordial. Se o rebanho estiver malnutrido, todas as outras ações certamente fracassarão ou terão menor desempenho. A nutrição balanceada permite acelerar a terminação, garantir bom desempenho e dar condições de saúde para o bovino. Produz-se com mais velocidade e mais por área. A nutrição com produtos tecnológicos, por sua vez, entre outros benefícios, permite a redução da emissão de gases de efeito estufa, indo ao encontro do que a produção sustentável preconiza.
Noticiário – No âmbito da pecuária 4.0, qual a relevância do uso da tecnologia, como ferramentas de gestão e inteligência artificial? Podemos dizer que esse é o caminho para o futuro?
Alcides Torres – É um caminho sem volta, pois facilita a vida. Em um confinamento, por exemplo, não se erra mais na escolha do indivíduo que fica e do que sai. Identifica-se aquele com potencial de engorda e aquele que já engordou tudo o que tinha para engordar. A eficiência melhora. As informações, além disso, fluem em tempo real e estão acessíveis através de mecanismos digitais onde quer que se esteja. Aliás, não é o caminho para o futuro, é para agora, e quem não adotou, está atrasado. Está perdendo dinheiro.